OPGH Gilberto L. Scarazatti e Marcia A. Amaral, consultores Opas/Abrasco

Data da publicação: 03 de outubro de 2022
Autores: Francisco Braga, Simone Ferreira e Mônica Wojciechowski (OPGH/Fiocruz)

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Em 2019 a Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (SESAB), com apoio da cooperação técnica realizada pela Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) e Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), iniciou o processo de construção do Plano de Atenção Hospitalar - PAH do Estado da Bahia. O plano, atualmente, encontra-se em fase de implementação. 

Dando continuidade ao debate acerca das estratégias de aprimoramento da organização, gestão e prestação de cuidados hospitalares no SUS, o Observatório de Política e Gestão Hospitalar (OPGH) apresenta  uma matéria complementar à entrevista recentemente publicada com Maria Alcina Romero Boullosa, Diretora de Atenção Especializada da Secretaria Estadual de Saúde da Bahia (SESAB), na qual foi traçado um panorama da atenção hospitalar pública na Bahia e das medidas propostas pelo novo Plano de Atenção Hospitalar para o Estado.

 

Nesta nova entrevista, Gilberto L. Scarazatti e Marcia A. Amaral, consultores Opas/Abrasco, que apoiaram a SESAB na elaboração deste Plano, exploram mais aspectos do PAH, trazendo uma análise do seu processo de construção , daquilo que já foi feito e do que ainda está por ser  implementado. Confira a entrevista!

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OPGH - O projeto de cooperação técnica do qual vocês participaram desenvolveu uma nova classificação das unidades hospitalares para o Estado. Qual a importância desta nova classificação para o reordenamento da atenção hospitalar pública na Bahia?

Gilberto L. Scarazatti: Esta nova classificação parte do diagnóstico da rede existente, que considera as relações entre a estrutura resolutiva dos hospitais (porte e complexidade) e as necessidades da população adscrita. Considera as relações dos hospitais em rede por meio de um sistema hospitalar que tende a ser, em cada macrorregião, suficiente em complexidade e capacidade.

Marcia A. Amaral: O conceito da classificação/tipologia hospitalar que estamos trabalhando, redefine a função dos hospitais na rede de atenção à saúde considerando 3 dimensões: i. a abrangência territorial e a população sob responsabilidade do hospital; ii. a participação do hospital no nível de resolução das demandas por internação local / regional / macrorregional / estadual e; iii. o adensamento tecnológico para atender as redes temáticas e linhas de cuidado prioritárias.

Este modelo amplia a possibilidade de identificação do equipamento no seu território (abrangência), a ordenação da alocação de recursos tecnológicos especializados e contribui para planejamento da maior suficiência regional e macrorregional.

Outra questão de concepção é que deixa de existir a tipologia hospital de pequeno porte e passam a existir hospitais classificados pelo papel e não apenas no porte ou número de leitos ou natureza jurídica, sem deixar de considerar estes elementos. Acreditamos que é um importante instrumento de gestão das redes regionalizadas de atenção à saúde.

Dimensão da Tipologia Hospitalar

Fonte: Apresentação Síntese do Processo de Construção do Plano de Atenção Hospitalar do Estado da Bahia - Autoria Márcia Amaral e Gilberto L. Scarazatti - julho 2019

OPGH - O diagnóstico elaborado pelo projeto de cooperação indica a existência de carência, assim como excesso de leitos em determinadas especialidades e em algumas macrorregiões do estado. Esta proposta de redimensionamento da rede hospitalar pública do estado foi aprovada pela SESAB? Promover tais mudanças não é fácil, dependendo não só de investimentos financeiros, como de negociações políticas delicadas com gestores, profissionais de saúde e a população? Como viabilizar isso?

Gilberto L. Scarazatti: Sim, o PAH foi aprovado pela SESAB e pela CIB. Sua implementação, no entanto, tende a ser progressiva. O PAH é um instrumento orientador de curto, médio e longo prazos. Será sempre oportuno revisões e ajustes. Em algum momento os investimentos podem se destinar a serviços concentrados em macrorregiões mais bem providas, sem que signifique contraposição à recomendação do PAH de proporcionar suficiência resolutiva em todas as macrorregiões. A avaliação de um novo serviço tem determinantes de viabilidade que nem sempre podem ser superados, caso por exemplo de equipes especializadas. O sentido de prazos médio e longo e o processo de decisões sustentadas pelas orientações do PAH e pela decisão da CIB devem ser as garantias de continuidade.

Marcia A. Amaral: A história de instalação da rede hospitalar no Brasil mostra sempre alta concentração de leitos na capital e nas maiores cidades do interior. Na Bahia não é diferente, faltam leitos qualificados, pois leitos em pequenos hospitais locais existem em grande número.

Uma das motivações da SESAB para elaborar o plano diretor da AH é o aumento da suficiência regional e macrorregional de várias maneiras: i. por meio dos hospitais complementares de região; ii. de novos hospitais como nas macros-regiões Sul e Extremo Sul; iii. da qualificação de hospitais já existentes na rede estadual e; vi. na otimização da capacidade instalada por meio da contratualização.

Os leitos de UTI neonatal tiveram uma ampliação considerável a partir de 2019 e os de UTI adulto também, principalmente devido à pandemia do COVID19.

Vale lembrar que o plano é diretor de um determinado modelo de organização, não é no curto prazo que todos os objetivos serão alcançados. Na atualidade, está sendo realizado o planejamento regional integrado que deve retomar muitas das propostas elaboradas em 2019.

Há necessidade de aprofundar o que fazer com os Hospitais de pequeno porte (HPP), os que são locais e quais funções devem desempenhar a partir das “sub tipologias existentes”. O diagnóstico feito em 2019 considerou muitas variáveis que ajudam a tomada de decisão, mas vale lembrar que o SUS ainda não conseguiu propor algo de abrangência nacional.

 

OPGH - A definição da carteira de serviços por tipo de unidade, em princípio, serviria de referência para a identificação de lacunas, bem como indicaria caminhos para o melhor aproveitamento de recursos existentes, inclusive movendo equipes e equipamentos ou mesmo leitos, por exemplo. Esta é uma dimensão pensada? Se sim, como colocá-la em execução?  

Gilberto L. Scarazatti: A carteira de serviços foi tratada no PAH segundo o porte e as linhas de cuidados prioritárias. Neste sentido, foi proposto infraestrutura mínima de equipamentos e de resolução, incluindo equipes presenciais e alcançáveis para cada tipo de hospital e segundo as funções que desempenharão no PAH. O diagnóstico e os registros encontrados no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) foram orientadores sem serem efetivos em função da qualidade da informação contida neste repositório.

A SESAB realizou avaliações presenciais dos hospitais menores, locais e complementares moderando as equações de equipamentos e de equipes que compõem a carteira de serviços. O desdobramento das políticas específicas, contidas nas Linhas de Cuidados Prioritárias, deverá ajustar tecnicamente os serviços hospitalares e a própria carteira para cada realidade situacional. Neste ponto, um hospital complementar que esteja na rede colocado como porta de entrada da Rede de Urgência e Emergência (RUE) , poderá necessitar de mais recursos de resolução e dispor de serviços além dos previstos inicialmente segundo o porte e a carteira. Isso deverá ocorrer no momento da contratualização.

Marcia A. Amaral: Os hospitais foram classificados para atividades que já realizam e não na teoria, exceto no caso de leitos de UTI adulto que alguns poucos hospitais regionais não têm terão um prazo de 1 ano para sua instalação. Acontece que para vários procedimentos a produção regional acontece, mas é insuficiente e existe alta dependência de outras regiões ou macrorregiões. A ideia é que a média complexidade se complete na região e a alta complexidade na macrorregião, para aquilo que houver escala. O planejamento regional integrado tem que considerar as necessidades de alocação dos recursos faltantes.

Mapeamos todas as internações das linhas de cuidado prioritárias por local de residência e de internação. Está identificado o que deve ser redirecionado para a região e para a macrorregião em tempos que dependerão do escopo e da escala dos serviços. Os módulos de incentivo financeiro estadual e os orçamentos regulares dos entes da federação devem levar em conta o que precisa ser descentralizado ou expandido. A telemedicina e a residência médica e multiprofissional são elementos estratégicos, junto com a regulação e o SAMU.

 

OPGH - Não é possível pensar na inserção do hospital na rede, nos fluxos de entrada e saída sem que o sistema de regulação seja tomado em consideração. Em algumas situações a regulação é uma barreira de acesso. O trabalho examinou o sistema de regulação de leitos da SESAB? Foram apresentadas recomendações de melhoria do sistema? O que precisaria ser aperfeiçoado?

Gilberto L. Scarazatti: A fase de diagnóstico foi precedida de oficinas com o sistema de regulação, tanto com a equipe como com as regiões e nestas foram abordadas as limitações do sistema atual. O diagnóstico propõe melhorias no sistema de informação, incremento de protocolos de regulação e sistema de avaliação e monitoramento mais efetivos que os atuais. Na tipologia e na carteira de serviços este diálogo foi constante. A inclusão de um hospital em certa tipologia vai além das informações cadastrais, requer informações vivas de fluxos, porém é na contratação que os acordos de regulação são feitos, tais como:

·         Hospital local: deve ter sala de estabilização e referenciar seus casos ascendentemente segundo as linhas de cuidados para os pontos determinados na contratualização.

·         Hospital Complementar de região: deve ter sala de estabilização e ser resolutivo nas áreas básicas de clínica médica, obstetrícia de risco habitual, pediatria e cirurgia geral; por exemplo. Deve referenciar, por meio de regulação para os hospitais de resolução ascendente, segundo as Linhas de Cuidados.

Todo movimento regulatório deve ser monitorado e deve trazer devolutiva para os atores participantes das ações. Atualmente isso não acontece e as regulações são, em ampla maioria, ações de demanda ascendentes, mal informadas e com baixa adesão aos protocolos e fluxos. Espera-se que este cenário se modifique no processo de instituição do PAH.

Marcia A. Amaral: No diagnóstico de 2019, elaboramos várias propostas para a regulação de acesso, que deve ser identificada como parte do processo de cuidado, como uma ação da gestão que garanta a sua continuidade na busca pela integralidade e não como atividade meio.

As ações mais relevantes dizem respeito à integração das centrais num complexo regulador, fortalecimento de práticas de regulação nas Unidades Básicas de Saúde, com pactuação de fluxos e protocolos, apoio matricial presencial ou à distância, elaboração e disseminação de Protocolos de Regulação integrados e contratualização de compromissos.

Na atualidade para o programa de incentivos financeiros que está sendo construído, existem vários requisitos para os hospitais: constituir NIR, disponibilizar leitos para a central com sistemática diária, perda de recurso pela recusa de paciente, realizar transferência segura, entre outros. No caso do parto e nascimento, pretende-se trabalhar com fluxos de rede e vinculação da gestante ao hospital desde o pré-natal.

 

OPGH - Os sistemas estaduais de saúde estão avançando na elaboração de planos, pensando estrategicamente as suas redes, em formas de ampliar o acesso, melhorar a integração e a eficiência de suas unidades hospitalares. Ao mesmo tempo, observa-se uma ausência de coordenação interfederativa, na qual o MS deveria exercer importante papel. Isso coloca em risco a execução destes planos? Eles ficam mais vulneráveis às mudanças políticas em período eleitoral?

Gilberto L. Scarazatti: Sim, o risco é presente e constante. As ações interfederativas são uma exigência do PAH, tanto no aspecto estado e governo federal como com os municípios. Alguns estados têm hegemonia na gestão do sistema hospitalar, em outros os municípios gerenciam a maioria dos hospitais, porém em quase todos os recursos mais complexos são estaduais. A efetividade da coordenação política neste multifederalismo, via CIB, portarias, decretos, normas técnicas ainda é frágil. O PAH é uma grande aposta estratégica, porém é necessário que outros mecanismos que apoiem a unificação dos serviços hospitalares nas regiões de saúde venham  a acontecer.

Marcia A. Amaral: O SUS está passando por uma conjuntura complicada, com recusa do Ministério da Saúde em pactuar as iniciativas que dependem dos outros entes da federação. O MS acena com um incentivo para a área materno infantil às vésperas das eleições, sem discussão. O plano da Bahia, como qualquer outro, terá dificuldade em atingir seu potencial sem uma forte articulação dos gestores. A alternância de poder muitas vezes traz descontinuidade de projetos em andamento. No entanto, a condução da SESAB tem sido a de manter proximidade com o Cosems neste processo e temos tido todo empenho em utilizar as decisões da CIT como base para a formulação e a prática, de modo a tornar o plano 100% SUS. Agora, a experiência mostra que a vontade política dos atores sociais do SUS é determinante para a continuidade.