Autores: Ceres Albuquerque, Francisco Braga, Juliana Machado e Lara D'Almeida
Apresentação
Os hospitais com porte de até 50 leitos, convencionalmente nominados como hospitais de pequeno porte (HPP), constituem o maior segmento de estabelecimentos do parque hospitalar brasileiro, representando 68,1% das unidades e 25,9% dos leitos hospitalares existentes no país.
As unidades desse porte adquirem essa preponderância sobretudo após a criação do Sistema Único de Saúde. Sob a vigência do princípio da descentralização de serviços e diante da falta de políticas indutoras de um sistema hospitalar como parte de uma rede (Carpanez, 2019), o processo de expansão do parque hospitalar ocorre desde então principalmente a partir de iniciativas municipais, com recursos provenientes de emendas parlamentares (Ugá, 2007).
No cenário internacional, o debate acerca dos hospitais de pequeno porte vem a público nos anos 90, a medida que estudos analisando o fenômeno da economia de escala em hospitais concluem que os estabelecimentos com porte na faixa entre 150/200 e 400 leitos são aqueles que operam com maior eficiência (Aletras; Jones; Sheldon, 1997). Assim, sob um contexto de expansão da demanda por serviços e de acelerado crescimento dos gastos em saúde, particularmente no âmbito da atenção hospitalar, políticas orientadas para ganhos potenciais de eficiência são colocadas em prática em diversos países, promovendo a concentração das atividades hospitalares em grandes unidades, mediante o fechamento de pequenos hospitais comunitários ou em localidades remotas, além da fusão de estabelecimentos (Saltman; Figueiras, 1997).
No Brasil, a temática dos HPP entra na agenda pública a partir de 2004, ocasião em que o Ministério da Saúde institui a Política Nacional para os Hospitais de Pequeno Porte – PNHPP (Portaria MS nº 1.044/2004). Em estudo diagnóstico que serviu de referência para a formulação da política, o MS assinala que, apesar da sua baixa complexidade, os HPP possuem relevância estratégica para o SUS. Destaca, em contrapartida, que grande parte dos HPP não tem um papel bem definido na rede de atenção, mostra-se ineficiente nos indicadores de taxa de ocupação e tempo médio de permanência e enfrenta dificuldades do ponto de vista da sua sustentabilidade econômica (Ministério da Saúde, 2004).
À luz dessa análise, a PNHPP estabelece diretrizes para a reestruturação dos estabelecimentos hospitalares que possuem entre 5 e 30 leitos, que prestam atendimento ao SUS, visando agregar resolutividade e qualidade às ações definidas para o seu nível de complexidade. A portaria enfatiza a importância da articulação dos HPP com outros níveis de atenção. Os HPP devem adequar seu perfil assistencial, ofertando especialidades básicas (clínicas médica, pediátrica e obstétrica); saúde bucal, em especial para atenção às urgências odontológicas; pequenas cirurgias; e urgência e emergência, tudo integrado ao sistema regional.
A PNHPP, contudo, não logrou os resultados esperados (Ugá, Lopez, 2007; Carpanez, 2019). Analisando a estrutura e o perfil de produção desses hospitais, foi observado que eles não se ajustaram adequadamente ao processo de redefinição de perfil promovido pelo Ministério da Saúde através do processo de contratualização (Ugá; López, 2007). Essa situação evidencia a necessidade de estratégias mais eficazes e apoio contínuo para que os HPP possam desempenhar um papel estratégico no âmbito do SUS.
A Política Nacional de Atenção Hospitalar, promulgada em 2013, após um longo processo de negociação e pactuação no âmbito da Comissão Intergestora Tripartite (CIT), acabou não contemplando medidas especificamente dirigidas para este segmento (CONASS, 2013).
Não obstante as dificuldades estruturais e as lacunas políticas, os HPP desempenham um papel importante ao realizar internações e cirurgias de menor complexidade, mantendo os pacientes próximos de suas famílias e aliviando a carga dos hospitais maiores em centros urbanos. Outra importância referida a esses hospitais diz respeito à oferta de consultas especializadas e exames de imagem e laboratório, sendo frequentemente a única opção de internação em muitos municípios (Souza et al., 2019).
Assumindo um maior protagonismo em relação à formulação e implementação de políticas de atenção hospitalar, particularmente após a COVID-19, alguns estados, têm implantado nos últimos anos políticas voltadas para um melhor ordenamento de suas redes hospitalares e a integralidade dos cuidados de saúde prestados. Sob este cenário, a busca de uma definição mais precisa dos seus papeis e de maior integração dos hospitais de pequeno porte nas redes de atenção permanece um desafio importante para o SUS.
Para o melhor conhecimento destas unidades, o Observatório de Políticas de Gestão Hospitalar (OPGH) publicou o Painel de Hospitais de Pequeno Porte, utilizando como base os dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), com atualizações mensais. Esse painel possibilita a visualização detalhada da situação dos HPPs no Brasil, incluindo o quantitativo de leitos, a concentração e a distribuição desses hospitais pelo território nacional, além de informações sobre a gestão. Com essa ferramenta interativa, é possível obter um panorama abrangente e atualizado dos HPPs e realizar diferentes seleções, detalhamentos, filtragens, de acordo com o interesse do usuário.
Como usar o painel?
O Painel dos HPPs reúne informações do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) e os dados apresentados são sempre relativos a última competência. A ferramenta interativa possibilita a visualização dos dados de diferentes maneiras e em várias escalas territoriais (nacional, estadual e municipal), permitindo a análise até o nível de cada estabelecimento de saúde.
Todos os campos do painel são interativos, permitindo detalhar informações, filtrar por número de leitos e ordenar os dados por UF do estabelecimento, estabelecimentos (quantidade), leitos HPP, % leitos HPP, leitos UTI, %de leitos UTI, Leitos SUS e Leitos UTI SUS. Os comandos também possibilitam ampliar ou reduzir o detalhamento, facilitando a exploração das informações. Em cada item há setas que permitem ordenar e os 3 pontinhos laterais abrem as opções de ordenar, detalhar, redefinir e exportar em formato csv, csv (excel) e planilhas google, além disso é possível fazer o download em formato pdf.
O Painel dos HPPs apresenta, logo no início (Figura 1), dois boxes com informações de número de leitos públicos e privados de internação e de leitos complementares – UTI , que permitem selecionar e definir diferentes faixas de valores para os dados a serem visualizados no painel. As seleções são espelhadas em todos os dados apresentados no painel, o que permite que sejam explorados conforme o interesse do usuário.
O gráfico de setores (pizza), na figura 1, traz a participação de estabelecimentos com até 50 leitos (68,3%) e com mais de 51 leitos (31,7%) de internação. Se for realizada uma seleção no box, por exemplo, incluída a faixa de 2 a 10 leitos de UTI o gráfico irá apresentar quantos HPPs existem dentro desta faixa. A inclusão dos valores pode ser feita arrastando a barra ou através da digitação dos valores do intervalo.
A tabela abaixo do box (figura 1) com os 27 estados e Distrito Federal permite visualizar e ordenar os dados selecionando a variável desejada: Estabelecimentos, Leitos, Percentual de leitos em HPPs, Leitos de UTI, percentual de leitos de UTI, Leitos SUS e Leitos UTI SUS.
Figura 1 – Leitos e estabelecimentos Hospitalares de pequeno porte
Ao clicar sobre uma UF e em seguida na seta descendente apresentada no topo da tabela, no lado direito, pode-se acessar os diferentes municípios de cada UF; a partir dos municípios, os diferentes estabelecimentos podem ser acessados, chegando-se até a ficha CNES de cada unidade.
Os gráficos de pizza [figura 2] apresentam os dados sobre a esfera administrativa, que incluem: Entidades Empresariais, Administração Pública Municipal, Entidades sem Fins Lucrativos, Administração Pública Estadual ou do Distrito Federal, Administração Pública Federal, Empresas Públicas ou Sociedades de Economia Mista, além de outros tipos de estabelecimentos na Administração Pública. A escolha de uma das categorias modificará o gráfico ao lado, que exibe os tipos de estabelecimento: Hospital Geral, Hospital Especializado, Hospital Dia (isolado), Unidade Mista, Clínica/Centro de Especialidade, Centro de Atenção Psicossocial, Pronto Atendimento, Pronto Socorro Geral, Centro de Parto Normal (isolado) e outros. Para selecionar uma opção, é necessário clicar em uma das categorias. Para voltar ao conjunto completo de dados, basta clicar na seta à esquerda, acima do gráfico.
A partir do clique em cada setor desses gráficos, também é possível definir a seleção para a visualização na tabela dos Estados e nas demais apresentações do Painel. Por exemplo, selecionando “Administração Pública Municipal”, o perfil das unidades se altera para 60,9% de hospitais gerais, 15,2% de Unidades Mistas, 10,9% de Centro de Atenção Psicossocial, seguidos dos demais tipos de estabelecimentos. Em outro exemplo, selecionando-se simultaneamente “Entidades Empresariais” e “Clínica Centro de Especialidade”, são 388 unidades, com 5.537 leitos (845 SUS), 57,9% leitos HPPs, 845 leitos de UTI, nenhum SUS.
Figura 2 – Gráficos Hospitais segundo esfera administrativa e tipo de estabelecimento
Nos mapas [Figura 3 e 4] que encerram o painel, apresentamos a relação entre o número total de leitos e a porcentagem de leitos em hospitais de pequeno porte, juntamente com o número de hospitais existentes. Os mapas consistem em: um que mostra os municípios com estabelecimentos, onde os leitos são representados por pontos coloridos que variam do verde ao vermelho, indicando a menor ou maior participação de leitos em Hospitais de Pequeno Porte (HPPs); e outro que abrange os estados, utilizando um degradê de cor para representar a quantidade de estabelecimentos com internação, sendo que quanto mais escura a cor, maior o número de estabelecimentos. A interação com o painel permite que seja selecionada uma localidade no mapa para obter informações específicas. Ao fazer essa seleção, o mapa que exibe o número de hospitais mostrará a quantidade de estabelecimentos na área escolhida. Por exemplo, ao selecionar Fernando de Noronha, o primeiro gráfico indicará que há 17 leitos de internação, todos localizados em um hospital de pequeno porte. O gráfico de estabelecimentos informará que esses leitos estão concentrados em apenas 1 hospital na ilha.
Figura 3 – Mapa de leitos e proporção de leitos em Hospitais de Pequeno Porte
Também é possível acionar os filtros no Painel a partir do clique em uma UF ou um município nesses mapas. Por exemplo (Figura 5), ao selecionarmos o estado do Tocantins, com gradação de azul bastante clara no Mapa do Brasil, os demais gráficos passam a informar os dados desta UF.
Figura 4 – Mapa de concentração de Hospitais de Pequeno Porte
Ao navegar pelo painel, cada seleção gera uma nova agregação de dados, proporcionando opções de personalização para atender às necessidades específicas de cada usuário. Convidamos todos a explorar este novo painel de HPP!
Adicionalmente, vale destacar que no Tabnet do CNES no OPGH, (Dados e indicadores | Observatório de Política e Gestão Hospitalar (fiocruz.br) há uma quantidade e variedade ainda maior de detalhes e agregações que permitem a geração de dados específicos, segundo diferentes perfis de interesse e necessidade.
Referências bibliográficas
BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria nº 1.044/GM, de 1º de junho de 2004. Institui Política Nacional para os Hospitais de Pequeno Porte. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 2 jun. 2004. Seção 1, p. 42. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2Z79bBV >. Acesso em: jun. 2024
BRASIL. MS. Reforma do Sistema da Atenção Hospitalar Brasileira. Brasília, D.F, 2004.
CARPANEZ, Luciana Reis; MALIK, Ana Maria. O efeito da municipalização no sistema hospitalar brasileiro: os hospitais de pequeno porte. Ciência & Saúde Coletiva [online], v. 26, n. 4, p. 1289-1298, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1413-81232021264.07242019. Acesso em: 28 jun. 2024.
CARPANEZ, Luciana Reis; O sistema hospitalar brasileiro e os hospitais de pequeno porte. Tese de Doutorado. São Paulo - Escola de Administração de Empresas – FGV, 2019.
CONASS – Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Política Nacional de Atenção Hospitalar. Brasília: Coleção Progestores - Nota técnica 21, 2013..
ROSA, T. O papel do hospital na Rede de Atenção à Saúde. Consensus, Brasília, DF, v. 4, n. 11, p. 13-22, 2014.
SALTMAN, R.B., FIGUERAS. European Health Care Reform: Analysis of Current Strategies. WHO Regional Office of Europe, 1997.
SOUZA, Francisco Eugenio Alves de et al. Atuação dos hospitais de pequeno porte de pequenos municípios nas redes de atenção à saúde. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 28, n. 3, p. 143-156, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0104-12902019181115. Acesso em: jun. 2024.
UGÁ, M. A. D.; LÓPEZ, E. M. Os hospitais de pequeno porte e sua inserção no SUS. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 12, n. 4, p. 915-928, 2007.