Internações no Brasil: Oferta e utilização no SUS e na saúde suplementar de 2015 a 2021
Data da publicação: 25 de setembro de 2023
Autoras: Ceres Albuquerque e Juliana Machado (OPGH/Fiocruz)
O sistema de saúde brasileiro é composto por um Mix público-privado, esta distinção retrata particularmente a sua natureza jurídica e a forma de financiamento dos serviços. Distinguem-se entre as formas jurídicas os órgãos públicos/Sociedade de economia mista/Empresa pública; as entidades privadas com fins lucrativos e as entidades privadas sem fins lucrativos. O sistema público - SUS é financiado com recursos públicos, com cobertura universal e a prestação de serviços é realizada em órgãos públicos e unidades privadas contratadas para atuarem de modo complementar ao SUS – em situações onde a oferta da rede própria é insuficiente. Já o sistema privado, funciona através da contratação direta de serviços ou planos privados de saúde. Esta segunda dimensão do sistema tem sua forma de acesso condicionada a capacidade de pagamento e possui financiamento privado. Como veremos nos dados a seguir os subsistemas apresentam diferenciações de oferta e de utilização. Estamos trabalhando com o período de 2015 a 2021, visto que os dados da saúde suplementar, diferente dos dados do Sistema de Informações Hospitalares – SIH/SUS, que possuem atualização mensal, são finalizados anualmente e a segunda e última atualização compreende de 2015 a 2021, modificando o período de 2015 a 2019, publicado anteriormente.
Por se tratar de nova base de dados, de divulgação relativamente recente e ainda pouco estudada, os dados do TISS/ANS possivelmente podem sofrer variações pela completude e melhora da informação nos anos mais recentes e isso deve sempre ser levado em consideração.
As internações hospitalares e sua variação negativa nos anos da pandemia de Covid-19 podem ser melhor conhecidas após a publicação pela ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) de novo conjunto de dados abertos sobre os serviços de assistência à saúde prestados no âmbito da saúde suplementar. Às informações sobre as internações do Sistema Único de Saúde (SUS), que respondem por quase 70% do total do país e têm as informações divulgadas mensalmente, pode-se acrescentar a importante parcela financiada pela saúde suplementar (SS).
Dados da ANS informam que no ano de 2021 21,7% da população brasileira possuía um plano de saúde com cobertura hospitalar. Esta cobertura varia entre os estados da federação, chegando em alguns casos a cobertura inferior a 5% da população, estes estados também apresentam os menores valores do PIB per capita. Estes dados iniciais já informam sobre o grau de dependência da população em relação ao sistema público de saúde.
No ano de 2021 a oferta de leitos SUS no Brasil, tomando como referência a população não coberta por plano de saúde, correspondia a 1,88 leitos por 1.000 habitantes. Na saúde suplementar, considerando somente a população coberta por plano de saúde, a oferta de leitos sobre para 3,02 para cada 1.000 habitantes. Reflexo desta oferta é evidenciada na utilização destes recursos. Quando comparadas as taxas de internação no ano de 2021 temos no SUS o valor 6,9 e na saúde suplementar 12,3 internações por 100 habitantes.
Entre os anos de 2015 e 2021 as internações do SUS apresentaram um comportamento mais uniforme, com discreta tendência de crescimento relativamente constante, de cerca de 3% ao ano em 2018 e 2019. Observa-se ainda pequena oscilação negativa em 2016, que pode ser atribuída à epidemia de Zica e redução de partos, e a grande retração em 2020 com a chegada da pandemia por Covid-19, ano em que houve um decréscimo de 1,65 milhões de internações, representando mais de 13%, o que pode ser visualizado no gráfico 1 e na tabela 1, abaixo.
Especificamente quanto às internações da SS, observa-se crescimento ano a ano, com variação maior entre os anos se comparada àquela observada no SUS. Em particular, se observa um decréscimo em 2018 que, diante do cenário analisado, faz supor dever-se a problemas na base de dados. Nos outros anos, o crescimento variou de 7,9% em 2016 e 17,1% em 2021. O crescimento observado em 2021 é relativo, uma vez que os valores não alcançam os existentes em 2019.
Em 2020, com a chegada da pandemia no país houve uma redução na SS de 22% ou 1,38 milhões de internações. Considerando-se o SUS e a SS em conjunto, a redução foi de 3 milhões de internações, representando 16,5% a menos que em 2019.
A quantidade de internações considerada insuficiente já em 2019, apresentou grande redução em 2020 e 2021.
Taxa de Internações
Observando-se a série histórica sob o enfoque populacional a partir da taxa de internações por 100 habitantes o período caracteriza-se por um crescimento inicial, de 2015 (7,8 internações/100 pessoas) a 2019 (8,8 internações/100 pessoas), grande redução em 2020 (7,3 internações/100 pessoas) e alguma recuperação em 2021 (8,0 internações/100 pessoas),apresentando uma tendência de retorno aos valores existentes no período anterior a pandemia.
A desigualdade no acesso a internações hospitalares no Brasil conforme cobertura da população por plano privado de saúde com a segmentação hospitalar é gradualmente ampliada. Evidencia-se um forte crescimento da taxa de internações entre os beneficiários de planos privados com cobertura hospitalar, que inicia o período com 9,5 internações por 100 pessoas em 2015 e atinge 13,9 internações por 100 pessoas em 2019. Respectivamente nesses mesmos anos, a população não coberta por planos privados de saúde com segmentação hospitalar apresenta taxas de 7,3 internações por 100 pessoas e 7,4 internações por 100 pessoas (Gráfico 2 e Tabela 2).
Vale destacar que para os eventos ocorridos no SUS, é possível observar a taxa de internações sob duas visões: a primeira que considera toda a população do país e a segunda considerando a população não coberta por planos privados com atenção hospitalar. Apesar do acesso ao SUS configurar-se direito universal, neste caso o segundo método tende a apontar mais corretamente a situação real do acesso a este tipo de atendimento pela população.
Já em 2020 a taxa do Brasil atinge seu mais baixo nível a 7,3 internações por 100 pessoas, ante 8,8 internações por 100 pessoas em 2019 e 8,0 internações por 100 pessoas em 2021. A redução proporcional ao ano anterior é maior entre os beneficiários de planos privados de saúde, mas mesmo nestes, em 2020 a taxa de internações é 58% maior que a do SUS (6,3 internações por 100 pessoas no SUS e 10,9 internações por 100 pessoas na SS).
A partir de 2021, os serviços são paulatinamente retomados, e as taxas voltam a crescer. Na SS o valor é maior que 2015 e 2016 alcançando 12,3 internações por 100 pessoas; mas, considerando o histórico de coleta e disponibilização mais recente da base da SS, este resultado pode estar influenciado por problemas nas bases de dados, que tendem a impactar mais os anos iniciais da série e melhorar a qualidade da informação nos mais recentes . No SUS a taxa de 6,9 internações por 100 pessoas só não é menor que em 2020, ano da pandemia por Covid-19. Informações do SUS já disponíveis para 2022 indicam um crescimento da taxa e o maior valor do período (7,5 internações por 100 pessoas), considerando a população não coberta por plano privado hospitalar de saúde.
Gráfico 2. Taxa de Internações por 100 habitantes SUS e SS –
Brasil, 2015 a 2021.
Fontes: SIH SUS comp. 05 /2023 e TISS ANS base 09 /2022 consultados através dos Tabnets do OPGH
Tabela 2. Taxa de Internações por 100 habitantes SUS e SS – Brasil, 2015 a 2021
As taxas no Brasil e em outros países
A pandemia por Covid-19, em 2020, impactou fortemente todos os países, demandando mais dos serviços de saúde, com redução das internações hospitalares e de outros serviços. No gráfico 3, fica evidente a redução da taxa de internações de 2020 em relação ao ano anterior em todos os países com a informação disponível (coluna verde).
Se comparada com outros países, a taxa de internações da população brasileira evidencia o menor acesso ao serviço dos brasileiros, em especial os que dependem unicamente do SUS (Gráfico 3 e Tabela 3).
O Brasil tem uma taxa de internações próxima a Portugal, Chile, Canadá e Holanda, quando consideradas as internações totais – SUS+SS. Quando segmentamos as parcelas, as internações do SUS para a população sem planos privados hospitalares de saúde apresenta uma taxa bastante inferior àquelas dos países selecionados. Já os beneficiários de planos privados hospitalares têm um patamar próximo à Espanha, Grã-Bretanha, Itália, Irlanda e Suécia (Gráfico 3 e Tabela 3).
Importa ressaltar que os dados disponíveis mais recentes no OCDE Data têm anos variados, sendo a Noruega o único país que já apresenta informações de 2021. Devido às grandes modificações pela Covid-19, optou-se por apresentar os dados ordenados por 2018, quando todos os países selecionados apresentam informação.
Gráfico 3. Taxa de Internações por 100 habitantes em países selecionados da OECD e Brasil – Total, SUS e SS de 2018 a 2021.
Fonte: OCDE Data e OPGH
Tabela 3. Taxa de Internações por 100 habitantes em países selecionados da OCDE e Brasil – Total, SUS e SS de 2018 a 2021.
Fonte: OCDE Data e OPGH
A desigualdade fica evidente para a população brasileira: em 2021, a parcela não coberta por planos privados hospitalares, 78% dos brasileiros, tem acesso a 67% das internações; o restante, a terça parte das internações do país, destinaram-se ao atendimento de cerca de um quinto da população, aquela coberta por planos privados de saúde com a segmentação hospitalar (Gráfico 4).
Conclusão
As informações sobre os serviços prestados pelas operadoras de planos de saúde se constituem importante fonte de dados para a compreensão da atenção à saúde no país. A qualificação, sistematização e divulgação pelo OPGH das informações sobre as internações, através de Tabnets, com a possibilidade de consulta fácil em diferentes níveis de detalhes ou agregação em muito contribui para o conhecimento da dinâmica das internações no país.
As informações da SS precisam de maiores estudos e avaliação visando esclarecer melhor o quanto da variação se deve a melhoria da completude e qualidade da base de dados e o quanto são variações reais efetivas, ou ambas as situações.
Durante a pandemia a redução das internações no SUS foi inferior à SS e a retomada no SUS parece ter sido mais rápida. A possibilidade de internações de caráter mais eletivo na SS deve ser mais bem avaliada. Como o SUS já trabalha com uma taxa de internação bastante inferior à da SS é provável que esta seja menos elástica, com menor possibilidade de redução.
A desigualdade na proporção e nas taxas de internação entre os beneficiários de planos privados com cobertura hospitalar e a população brasileira sem plano privado hospitalar e a comparação dessas taxas com países selecionados do OCDE Data apontam a necessidade de maior acesso da população brasileira a internações pelo SUS.
A redução da desigualdade na oferta e utilização dos serviços de saúde ainda carece de uma ação publica de modo a mitigar este problema. A pandemia por covid jogou luz sobre uma série de problemas de acesso no SUS: como a insuficiência de leitos, a ausência de profissionais especializados, concentração da oferta em centros urbanos e o acesso diferenciado àqueles com capacidade de pagamento. Cabe lembrar a campanha leito para todos, que trouxe a questão do acesso igualitário à pauta. No entanto, como é sabido, o movimento não logrou êxito e muito pouco se avançou nesta direção.
Referências
OPGH – Dados e Indicadores, Tabnets Informações Hospitalares Financiadas pelo SUS, Tabnet das Informações Hospitalares Financiadas pela Saúde Suplementar, Tabnet de Indicadores para as taxas de Internação - Dados e indicadores | Observatório de Política e Gestão Hospitalar (fiocruz.br)( https://observatoriohospitalar.fiocruz.br/dados-e-indicadores/) Consultas em abril, maio e junho/2023.
OCDE - Health care use - Hospital discharge rates - OECD Data , data da consulta 29/05/2023 (https://data.oecd.org/healthcare/hospital-discharge-rates.htm)