Data da publicação: 14 de outubro de 2021

O Observatório de Política e Gestão Hospitalar (OPGH/Fiocruz) publicou este mês uma longa entrevista (leia aqui) com Nilton Pereira Júnior, superintendente do Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia (HC-UFU). Antes de ser gestor da unidade, em sua tese de doutorado ele examinou as políticas e a gestão dos hospitais universitários federais entre 2003 e 2018 – tendo acompanhado de perto as principais mudanças naqueles que fizeram a contratualização com a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH) nesse período.

No trecho abaixo, Pereira Júnior conta como a adesão à EBSERH mudou os processos administrativos no HC-UFU.

Confira:

Em geral, a gestão dos hospitais públicos costuma ser bastante criticada e acusada de ineficiente. Nesse sentido, o vínculo à EBSERH promoveu muitas mudanças na gestão do HC? Quais foram as principais áreas ou processos afetados? Tais mudanças têm sido bem absorvidas pelo corpo de funcionários da unidade? Ao fim e ao limite, o ingresso na EBSERH tem proporcionado maior profissionalização e modernização da gestão do HC?

A evidência que constatei na pesquisa do doutorado é que há uma priorização da gestão administrativa. Não havia muitas mudanças consideráveis na assistência e no modelo de gestão da clínica. A EBSERH vem para mudar os processos administrativos: gestão de pessoas, administração e finanças, orçamento, TI. Isso é o que eu constatei em 2018 [durante a pesquisa de doutorado]. E na minha prática, é exatamente o que eu estou vendo. 

No HC-UFU, não tínhamos nenhuma pessoa especializada em compras, licitações, contabilidade, gestão orçamentária. Porque o hospital não fazia isso, o hospital demandava para a universidade ou para a Fundação. Essa é, até o momento, para nós, a maior revolução. Tivemos que empregar especialistas da universidade, que vieram para cá com cargos de comissão, em novas funções – gerência administrativa, divisão orçamentária, divisão de contratos, unidade de licitação, setor de contabilidade... Tudo isso era novo para nós. Hoje há um grupo especializado de contadores, administradores, gestores de RH, que não havia antes. Essa é uma verdadeira transformação. 

Claro que isso gera muita tensão, não é fácil. Os trabalhadores têm dificuldade de se adaptar e a própria gestão tem que ir aprendendo gradativamente. Antes, o processo de compra se resumia a enviar um ofício. Mas agora é preciso organizar, verificar se há orçamento, se está dentro do prazo da licitação. É uma grande mudança de cultura. 

Por isso tivemos dificuldade no início. Em 2019, avançamos pouco.  Alguns cargos foram sendo liberados e as equipes começaram a ser montadas. Mas foi só em 2020 que o processo começou a “engrenar” e, agora estamos a todo vapor. Já estamos com mais de 30 contratos licitados e mais de 60 em processo de licitação. 

Outra questão importante trazida pela EBSERH é a padronização dos processos, que antes eram feitos de formas diferentes por cada hospital. A EBSERH vem construindo protocolos unificados, sejam assistenciais, sejam administrativos. Na hotelaria, por exemplo, cada hospital tinha o seu protocolo sobre a lavagem das roupas, a compra de material, a nutrição. Agora há um manual de boas práticas de hotelaria. Há também um manual de boas práticas em gestão da documentação clínica, algo muito sensível para os hospitais. Da mesma forma, na regulação, cada hospital tinha um padrão diferente, e agora há um norte. 

Essa padronização não significa uma camisa de força, mas serve para orientar. Muitas vezes os concursados vêm de experiências diferentes, ou mesmo sem experiência em hospital, então é importante termos os processos bem documentados. 
 
Isso tudo faz parte do novo contexto da governança pública: termos como “compliance”, “transparẽncia ativa” e “governança corporativa” não vêm só da EBSERH, mas estão na nova gestão pública como um todo.

O novo organograma que temos agora é muito mais moderno do que o que tínhamos antes. Em geral os organogramas de hospitais são muito verticais, separados por categorias. Mas o da EBSERH é mais horizontal, está mais adequado aos novos princípios da gestão pública. Nosso hospital sempre foi muito ligado à necessidade de resolver problemas assistenciais, mas não tínhamos, por exemplo, auditoria interna, vários setores administrativos e setores ligados à qualidade hospitalar e gestão hospitalar. Agora temos.  De fato – não é só um achado de pesquisa da minha tese ou o discurso da EBSERH –, na prática estamos vivendo aqui um novo processo de profissionalização da gestão. 

Há ainda os avanços no planejamento. Nosso hospital nunca fez planejamento de forma sistemática, e não é exceção. Sou da área de planejamento e esse é um dos temas que eu mais estudei. Em geral o gestor faz um planejamento, consolidado em um documento, mas depois o gestor seguinte não segue esse planejamento e constrói outro, e assim por diante. No entanto, a EBSERH vem evoluindo na construção do Plano Diretor Estratégico (PDE), com um modelo para todos os hospitais. Com isso, existe uma definição mais clara do que é meta, o que é objetivo etc. E uma novidade positiva é o monitoramento constante: há um esforço da rede, tanto no nível central quanto nos hospitais, de ter o planejamento e fazer o monitoramento mensal dos indicadores e das metas. 

Não deixe de ler, neste link, a entrevista completa.