Autor: Jacques Levin/OPGH

data de publicação: 30 de outubro de 2020

Recentemente, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apresentou os primeiros resultados da Pesquisa Nacional de Saúde – PNS, levantados durante o ano de 2019. De acordo com o instituto, a pesquisa visou “coletar informações sobre o desempenho do sistema nacional de saúde no que se refere ao acesso e uso dos serviços disponíveis e à continuidade dos cuidados, bem como sobre as condições de saúde da população, a vigilância de doenças crônicas não transmissíveis e os fatores de risco a elas associados”.

A PNS é bastante ampla, constando de 27 módulos. Alguns deles abrangem questões sociodemográficas (moradia, renda, educação, trabalho etc.). Outros se referem à situação de saúde, planos de saúde, características de grupos populacionais específicos (idoso, mulher, criança, deficientes etc.), utilização de serviços de saúde, etc.

Até o momento, foram divulgados dois volumes da pesquisa: Informações sobre domicílios e acesso e utilização dos serviços de saúde, com resultados dos Módulos A - Informações do Domicílio, B - Visitas domiciliares de Equipe de Saúde da Família e Agentes de Endemias, I - Cobertura de Planos de Saúde e J - Utilização dos Serviços de Saúde e Atenção primária à saúde e informações antropométricas, com resultados dos módulos H - Atendimento médico (APS) e W - Antropometria.

No Módulo I - Cobertura de Planos de Saúde, uma das informações diretamente associadas ao atendimento hospitalar é a questão I14a, que levanta se o plano de saúde dá direito a Internações e Partos. Infelizmente, na PNS 2013 esta questão não fazia parte do inquérito, então não podem ser feitas comparações. Também os resultados desta questão não fazem parte do Plano Tabular, portanto não constam das tabelas já publicadas.

O Módulo J - Utilização de Serviços de Saúde contempla diversas questões relativas a estado de saúde, procura de serviços de saúde, atendimentos realizados recentemente, etc. Especificamente em relação a serviços hospitalares, as questões relacionadas são (sempre em relação aos últimos 12 meses):

* J37 – Esteve internado;

* J38 – Quantas vezes houve internação;

* J39 – Principal atendimento hospital na última internação (parto normal, parto cesáreo, tratamento clínico, tratamento psiquiátrico, cirurgia, exames complementares, outro);

* J40 – Tempo da última internação;

* J41 – Tipo de estabelecimento da última internação (público, privado);

* J42 – Se a última internação foi coberta por plano de saúde;

* J43 – Houve pagamento direto pela última internação (sem reembolso);

* J44 – Se a internação foi pelo SUS.

Há ainda outras questões esparsas sobre internações, como no módulo Q – Doenças crônicas.

Na PNS – 2013, houve as mesmas questões J37 a J44, mas havia ainda a J45 – de avaliação do atendimento na última internação (Muito Bom, Bom, Regular, Ruim e Muito Ruim).

Nas tabelas publicadas pelo IBGE, as relacionadas a internações hospitalares são apenas duas:

* J14 – Proporção  e total de pessoas que ficaram internadas em hospitais por 24 horas ou mais nos últimos 12 meses anteriores à data da entrevista;

* J15 – Proporção e total de pessoas que ficaram internadas em hospitais por 24 horas ou mais nos últimos 12 meses anteriores à data da entrevista e a última internação foi pelo SUS.

Estas tabelas estão disponíveis por situação de domicílio (urbano/rural), regiões, unidades da federação, capitais, sexo, grupos de idade, nível de instrução, cor/raça e rendimento.

Tabelas análogas estão disponíveis para a PNS – 2013, como tabelas 213 e 215, respectivamente, sem a opção de rendimento, mas com a opção de avaliação do estado de saúde.

Neste pequeno estudo, faremos uma comparação dos dados publicados, destacando onde houve maiores diferenças: crescimento ou diminuição de mais ou menos 10% em 2019 em relação a 2013. As comparações foram feitas sobre o valor central, sem considerar o intervalo de confiança de 95%. A escolha de 10% como limite minimiza, mas nem sempre elimina, a situação em que os valores contidos no intervalo de confiança se sobrepõem.

Há que se considerar, ainda, que as populações não foram padronizadas entre os dois períodos; portanto, a distribuição nos dois anos pode não ser comparável com exatidão. O IBGE recalculou os fatores de expansão da PNS 2013, disponibilizando os microdados reponderados na Internet. As tabelas, porém, não foram recalculadas no banco de dados SIDRA.

Algumas pequenas análises podem ser vistas na publicação com os resultados da pesquisa, mas sem comparação com a PNS anterior.

gráfico 1 PNS-2019

 

Esta proporção pode ser denominada também como Taxa de Internação Referida, cujo conceito é equivalente, pois corresponde ao número de internações por 100 habitantes, conforme relatado.

Na PNS 2013, esta taxa para o Brasil era de 6,0%; na de 2019, cresceu para 6,6% – um  aumento de 10%.

Por região e UF, houve aumentos maiores que 10% em Alagoas (3,6 para 4,9%), Sergipe (5,2 para 6,3%), Sudeste (5,7 para 6,8%), Espírito Santo (5,8 para 7,6%), Rio de Janeiro (4,1 para 5,7%), São Paulo (5,6 para 7,3%) e Mato Grosso (6,0 para 7,7%). Houve diminuição de mais de 10% apenas no Acre (7,0 para 6,0%) e na Paraíba (6,2 para 5,1%) O maior valor foi em Goiás (8,6%) e os menores em Alagoas e Amazonas (4,9%).

Nas capitais, houve aumento de mais de 10% em Porto Velho, Palmas, Fortaleza, Natal, Recife, Maceió, Aracaju, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Florianópolis, Porto Alegre e Cuiabá. Houve diminuição de mais de 10% apenas em Manaus e Boa Vista. O maior valor foi em Goiânia (8,2%) e o menor em São Luís (4,6%).

Por sexo, é importante a diferença entre as Taxas de Internação Referida para homens e mulheres (respectivamente 5,0 e 7,1% em 2013, 5,4 e 7,6% em 2019), provavelmente devido às internações obstétricas.

Para homens, houve crescimento acima de 10% para a população urbana e para o Amazonas, Tocantins, Pernambuco, Sergipe, Sudeste, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo e Mato Grosso. Houve diminuição de mais de 10% no Acre, Rio Grande do Norte, Paraíba, Região Sul, Paraná e no Mato Grosso do Sul. O maior valor foi em Goiás (6,8%) e o menor em Alagoas (3,5%).

Para mulheres, houve crescimento acima de 10% para a população rural e para o Rio Grande do Norte, Alagoas, Sergipe, Sudeste, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo e Mato Grosso. Houve diminuição de mais de 10% no Acre, Amazonas, Pará, Paraíba e Distrito Federal. O maior valor foi no Mato Grosso do Sul (10,3%) e o menor no Pará (5,7%).

Por grupo etário, houve crescimento acima de 10% apenas para a faixa de 30 a 39 anos (5,9 para 6,5%). As demais tiveram variação menor que 10% para mais ou para menos. Entre as faixas etárias, as Taxas de Internação Referida são crescentes conforme a idade, como esperado: 0 a 17 anos = 4,5%, 18 a 29 anos = 5,7%, 30 a 39 anos = 6,5%, 40 a 59 anos = 6,5% e 60 anos e mais = 10,6%.

Por nível de instrução, houve crescimento acima de 10% apenas para médio completo/superior incompleto (5,6 para 6,4%). Entre as faixas de instrução, as taxas não variam muito: sem instrução/fundamental incompleto = 6,4%, fundamental completo/médio incompleto = 5,9%, médio incompleto/superior incompleto = 6,4% e superior completo = 7,1%.

Por cor ou raça, crescimento acima de 10% houve apenas para os pretos, de 5,5% para 6,2%. Para os brancos, a Taxa de Internação Referida em 2019 foi de 6,8%, para os pretos 6,2% e para os pardos 6,4%. Não foram divulgadas as taxas para amarelos e indígenas, provavelmente por falta de significância estatística.

Como foi visto anteriormente, não está disponível tabela de proporção de internações por rendimento domiciliar per capita em 2013, não sendo possível, então, a comparação. Em 2019, as Taxas de Internação Referida são: sem rendimento/até ¼ salário mínimo = 6,2%, mais de ¼ até ½ salário mínimo = 5,9%, mais de ½ até 1 salário mínimo = 6,7%, mais de 1 até 2 salários mínimos = 6,5%, mais de 2 até 3 salários mínimos = 6,7%, mais de 3 até 5 salários mínimos = 7,5% e mais de 5 salários mínimos = 7,8%. Aqui fica evidente a falta de acesso da população de menor renda aos serviços hospitalares.

 

gráfico 2 PNS - 2019

 

Esta proporção indica o percentual das pessoas que ficaram internadas através do SUS em relação ao total das pessoas que ficaram internadas.

Na PNS 2013, esta proporção para o Brasil era de 65,7%; na de 2019, diminuiu para 64,6%. No entanto, considerando os respectivos intervalos de confiança (63,8-67,5% em 2013 e 63,1-66,2% em 2019), não se pode afirmar se houve aumento ou diminuição.

Por região e UF, houve aumentos no Amapá (70,8 para 79,89%), Bahia (68,4 para 78,1%) e Mato Grosso (57,2 para 75,6%). Houve diminuição de mais de 10% no Rio Grande do Norte (82,5 para 72,3%), no Rio de Janeiro (56,9 para 49,9%) e no Mato Grosso do Sul (73,0 para 61,2%) O maior valor foi no Maranhão (89,2%) e o menor no Distrito Federal (47,6%).

Nas capitais, houve bastante variação: aumento de mais de 10% em Porto Velho, Macapá, Recife, Vitória, Cuiabá e Goiânia. Houve diminuição de mais de 10% em Belém, Fortaleza, João Pessoa, Maceió, Aracaju, Salvador, São Paulo, Florianópolis, Porto Alegre e Campo Grande. O maior valor foi em Boa Vista (78,7%) e o menor em Florianópolis (30,4%).

Por sexo, há pouca variação entre os resultados para homens e mulheres. As diferenças entre os resultados apresentados em 2013 e 2019 são pouco significativas, mas há maiores variações em algumas unidades da federação.

Para homens, houve crescimento acima de 10% para a Bahia, Mato Grosso e Goiás. Houve diminuição de mais de 10% no Rio Grande do Norte, Mato Grosso do Sul e Distrito Federal.

Para mulheres, houve crescimento acima de 10% para Rondônia, Roraima, Amapá, Bahia e Mato Grosso. Houve diminuição de mais de 10% no Ceará, Rio de Janeiro, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul e Goiás.

Por grupo etário, também há pouca diferença entre os resultados apresentados em 2013 e em 2019. Entre as faixas etárias, as proporções são maiores nas faixas etárias mais jovens: 0 a 17 anos = 71,2%, 18 a 29 anos = 72,0%, 30 a 39 anos = 54,5%, 40 a 59 anos = 62,2% e 60 anos e mais = 64,6%.

Por nível de instrução, houve crescimento acima de 10% apenas para fundamental completo/médio incompleto (67,3 para 75,7%). Entre as faixas de instrução, as proporções são maiores para a população de baixa instrução: sem instrução/fundamental incompleto = 79,6%, fundamental completo/médio incompleto = 75,7%, médio incompleto/superior incompleto = 56,4% e superior completo = 21,1%.

Por cor ou raça, não houve variação nos resultados apresentados em 2013 e 2019. Para os brancos, a taxa em 2019 foi de 53,6%, para os pretos 75,9% e para os pardos 73,6%. Não foram divulgadas as proporções para amarelos e indígenas, provavelmente por falta de significância estatística.

Como foi visto anteriormente, não está disponível tabela de proporção de internações por rendimento domiciliar per capita em 2013, não sendo possível, então, a comparação. Em 2019, as proporções são: sem rendimento/até ¼ salário mínimo = 95,0%, mais de ¼ até ½ salário mínimo = 89,8%, mais de ½ até 1 salário mínimo = 76,5%, mais de 1 até 2 salários mínimos = 58,6%, mais de 2 até 3 salários mínimos = 32,4%, mais de 3 até 5 salários mínimos = 22,0% e mais de 5 salários mínimos = 6,8%. Aqui fica evidente a dependência da população de menor renda do SUS.

Conclusão

Este estudo apresenta apenas alguns delineamentos gerais sobre as tabelas publicadas referentes à assistência hospitalar na PNS-2019.

Mesmo neste contexto limitado, ficam evidentes questões relativas às desigualdades e inequidades no acesso aos serviços hospitalares ao analisarmos os dados por cor ou raça, nível de instrução ou rendimento, e mesmo por unidade da federação ou capital. Destaca-se também a importância do SUS para a população mais vulnerável.

De uma maneira geral, não houve grandes alterações nos perfis de internações entre 2013 e 2019, apesar de mudanças ocorridas tanto no perfil de demanda como de oferta. Com a queda da cobertura dos planos privados de saúde, era de se esperar um aumento da demanda no SUS, mas tal fato não se reflete nos indicadores. A crise assistencial do SUS nos últimos anos também não aparece de uma maneira mais evidente.

Levantamentos mais aprofundados poderão ser obtidos com a utilização dos microdados já disponibilizados pelo IBGE, através de softwares estatísticos. Nas tabelas publicadas, não há dados sobre o tipo de atendimento no hospital, se o estabelecimento era público ou privado, se houve pagamento direto ou se houve cobertura por plano de saúde – informações  importantes para um melhor delineamento sobre a utilização de serviços hospitalares no Brasil.