Data da publicação: 23 de junho de 2021
autora: Ceres Albuquerque/OPGH
O ano de 2020 – impactado pela maior epidemia dos últimos 100 anos, comparável apenas à gripe espanhola do início dos 1900 – mostrou-se atípico em relação às internações hospitalares. As internações do SUS apresentaram importante redução de 14% da quantidade total, mas um aumento da utilização de UTI e da quantidade de óbitos (Gráfico 1).
Durante a década de 2010 até 2019, se avaliadas a quantidade de internações, a utilização de UTI e a mortalidade, pode-se verificar pequenas oscilações com discreto crescimento, seguidos de grande redução em 2020 – que pode ser vista no gráfico 1 em duas diferentes escalas. No lado esquerdo, as internações; no lado direito, as internações em UTI e os óbitos (Gráfico 1).
Analisando-se as taxas de internação no SUS, pode-se observar durante a última década uma queda paulatina em todas as grandes regiões e no país com exceção da região Sul, onde o indicador apresenta pequeno aumento até 2019. Em 2020, com a pandemia, todas as regiões apresentaram queda acentuada, como pode ser observado no gráfico 2.
Comportamento sazonal
Historicamente, se observa menor volume de internações nos meses de janeiro e fevereiro, que posteriormente tendem a aumentar a partir de março. A chegada da epidemia de Covid-19 ao país, em março de 2020, impactou fortemente os serviços em geral, inclusive os de saúde: entre estes estão as internações, que passaram de mais de 950 mil em fevereiro para cerca de 700 mil em abril, como pode ser observado no gráfico 3. O serviço vai sendo retomado ao longo do ano, atingindo pouco mais de 900 mil internações em outubro, mês com o maior volume no ano, acompanhando a tendência dos anos anteriores, quando o mesmo acontece. Ainda assim, em 2020 as internações mantiveram-se em patamar inferior ao dos anos anteriores no último trimestre (Gráfico 3).
Internações no SUS – Brasil – 2015 a 2020
De 2016 a 2019, as internações no SUS apresentam discreto incremento anual, acompanhado por aumentos do valor total e do valor médio. Selecionando alguns indicadores, pode-se verificar estabilidade, pequenas oscilações nas taxas de mortalidade, no tempo médio de permanência, discreto crescimento anual no percentual de utilização de UTI e na média de idade dos pacientes (Tabela 1).
As internações em UTI têm aumentado em proporção maior que as internações em geral, passando de 6,2% para 7% de 2015 a 2019, provavelmente devido à maior disponibilidade do recurso, a ser avaliado em outro estudo (Tabela 1).
As internações clínicas giram em torno de 60% e as cirúrgicas, de 40%. As internações para transplantes e aquelas com finalidade diagnóstica não alcançam 1% no período (Tabela 1).
Em comparação com 2019, observa-se em 2020 aumento dos valores total e médio das internações, aumento acentuado do número de óbitos e consequentemente da taxa de mortalidade, estabilidade no tempo médio de permanência, importante aumento no percentual de internações que utilizaram UTI, além de pequena elevação na idade média do paciente. Observando-se os anos imediatamente anteriores, houve uma elevação no percentual de internações clínicas, com redução das cirúrgicas (Tabela 1).
A maior gravidade dos pacientes, demandando mais internações em UTI e óbitos, se reflete no custo das internações, com aumento de aproximadamente 20% em relação a 2019, diferente dos pequenos crescimentos nos anos anteriores do período (Tabela 1).
Cabe ressaltar que em abril de 2020 foi criado novo procedimento – tratamento de infecção pelo coronavírus-Covid 19 – com valor de tabela SUS de R$ 1.500,00, bastante superior ao valor do procedimento de tratamento de pneumonias e influenza (Gripe) até então utilizado, com valor de R$ 580,00.
O valor das internações apresentado representa os valores de tabela dos procedimentos executados e recursos (UTI, por exemplo) utilizados, indicando a complexidade e a gama de serviços. No entanto, este valor não pode ser considerado o efetivamente dispendido, pois o financiamento das unidades hospitalares (principalmente as públicas) depende de outros fatores, tais como orçamentação própria, contratos de gestão, incentivos e complementos pagos pelos gestores das três esferas de governo – que não aparecem refletidos no valor da internação expresso no SIH SUS.
Internações SUS por causas
A tabela de procedimentos do SUS é organizada por grupos, subgrupos, forma de organização e procedimentos. Para esta análise, utilizaremos a agregação em forma de organização, além da classificação em alta e média complexidade.
De maneira geral, de 2015 a 2019 houve ligeiro crescimento do número de internações e valores associados, com exceção para 2016, com uma pequena redução nas internações devido à menor quantidade de partos no ano da epidemia de Zika. Considerando o impacto dos partos sobre a distribuição dos casos, para discutir 2020 por causas, optou-se por excluir da análise que se segue as internações por parto (clínico e cirúrgico).
A grande alteração das internações ocasionada pela Covid com aumento dessa causa e redução das demais nos leva a uma situação em que, em 2020, segundo a forma de organização da tabela de procedimentos do SUS, tem nas três primeiras posições o tratamento de doenças do ouvido/apófise mastoide e vias aéreas, o tratamento de doenças infecciosas e parasitárias e o tratamento de doenças cardiovasculares. Com um crescimento de 55% em relação a 2019, em 2020 pela primeira vez o tratamento de DIP ocupa a primeira posição, anteriormente ocupada, em todos os anos, pelo tratamento de doenças do ouvido/apófise mastoide e vias aéreas, que engloba o conjunto das pneumonias, independentemente do agente causal.
Além do tratamento de DIP, apenas Cirurgia em Politraumatizado, com um aumento de 7,5%, e tratamento de afecções originadas no período perinatal (1,08) apresentaram crescimento em relação ao ano anterior.
As internações com diagnóstico de Covid somaram 513 mil, sendo 510 mil para acompanhamento e tratamento clínico, com 93 mil sendo internados em UTI. Pacientes internados para outros procedimentos e que tiveram diagnostico de Covid foram cerca de 3,5 mil.
As principais causas de internação de média complexidade, em todas as clínicas, apresentaram pequenas variações nos seis anos estudados – à exceção da chegada da Covid e criação de procedimento específico para sua assistência, classificado na FO de tratamento de doenças infecciosas e parasitárias, que desta forma passa a ocupar a primeira causa de internações em 2020. O tratamento de doenças do ouvido/apófise mastoide e vias aéreas, que engloba as pneumonias, passa para a segunda posição, diferente em 2020 em relação a todos os anos anteriores. As outras três causas – tratamento de doenças cardiovasculares, tratamento de doenças do sistema nervoso central e periférico e tratamento de doenças do aparelho digestivo apresentaram redução em relação ao ano anterior e pequenas oscilações quando comparada a ordem entre as duas últimas (Gráfico 4).
As internações de alta complexidade são majoritariamente cirúrgicas e costumam representar cerca de 10% do total de internações. A cardiologia intervencionista ocupou a primeira posição entre as cinco principais causas de internação nos seis anos estudados. A seguir, estão posicionadas as cirurgias sequenciais (procedimentos majoritariamente de oncologia), as quimioterapias - procedimentos especiais, a cirurgia cardiovascular, e finalmente os procedimentos em conjuntiva, córnea, câmara anterior, íris, corpo ciliar e cristalino.
Os dois últimos grupos de causa desta lista apresentaram importante redução em relação aos anos anteriores, o que parece demonstrar que a orientação geral durante o início da pandemia foi respeitada, mantendo os atendimentos considerados críticos em oncologia e cardiologia, e postergando procedimentos eletivos menos urgentes (Gráfico 5).
Considerações finais
Vale ressaltar que o ano de 2020 apresentou importante redução no número de internações no Sistema Único de Saúde, principalmente no início da pandemia de Covid 19 – quando se conhecia pouco sobre a doença e seu tratamento. A análise por formas de organização dos procedimentos realizados indicou que, prioritariamente, os de caráter eletivo foram fortemente reduzidos.
No início da pandemia, procedimentos foram suspensos e/ou evitados, e o tratamento da Covid era postergado – quadro que se modificou ao longo do ano, quando se passou a conhecer melhor sobre a doença e como tratá-la, levando a internações mais precoces principalmente em função da oxigenação sanguínea. Isso pode possivelmente explicar parte da importante redução no número de internações no SUS (especialmente entre março e abril de 2020) e seu crescimento a partir de maio daquele ano. Além disso, procedimentos inicialmente suspensos também passaram a ser realizados posteriormente, conforme o estágio da epidemia nos diferentes locais, inclusive alguns eletivos. Mesmo com a persistência e até o agravamento da pandemia no país, o receio da doença deixou de representar um impeditivo quase absoluto para se buscar atenção, como ocorreu no início.
Por fim, é importante destacar que 2021 se apresenta ainda com grandes desafios em relação à Covid e à assistência hospitalar em geral, com inúmeros gargalos, agravados por mais de um ano da pandemia.