08/09/25
Daniel Lyra-Queiroz e Francisco Braga
Em junho deste ano, o Conselho Universitário (Consuni) e o Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Consepe) da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) aprovaram a fusão do Hospital Universitário Gaffrée e Guinle (HUGG), filiado à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), com o Hospital Federal dos Servidores do Estado (HFSE). Com isso, será criado um novo Hospital Universitário (HU) para a UNIRIO, que funcionará nas instalações do HFSE. Tanto o HFSE quanto o HUGG são hospitais com história e relevantes contribuições para a saúde pública do país ao longo dos anos.
Localizado no bairro da Tijuca, na cidade do Rio de Janeiro (RJ), o HUGG foi inaugurado em 1929, num momento em que a população da então capital federal enfrentava uma forte endemia das chamadas "doenças venéreas". Atualmente, o HUGG conta com 233 leitos e ambulatório de 125 consultórios e desenvolve programas, como o Programa de Hanseníase, Programa de Diabetes, Programa de Tuberculose, Programa de Hipertensão, Programa de pré-natal e Programa de Atenção ao Idoso. Desde 2015, o HUGG está sob gestão da Ebserh.
Localizado no bairro da Saúde, Centro do Rio de Janeiro (RJ), o HFSE teve a sua construção iniciada ainda durante a gestão do presidente Getúlio Vargas, em 1934, e foi inaugurado em 1947, com o objetivo de atender os funcionários públicos da então capital federal. A unidade hoje conta com 450 leitos de internação e um ambulatório com mais de 180 salas. O HFSE disponibiliza tratamento em mais de 45 serviços especializados como maternidade de alto risco, oncopediatria, neurocirurgia e cuidado de doenças infectocontagiosas.
A iniciativa de congregar as duas unidades de saúde teve origem em novembro de 2024, dentro do Plano de Reestruturação dos Hospitais Federais do Rio de Janeiro, formulado pelo Ministério da Saúde. Na ocasião, houve a assinatura de um Acordo de Cooperação Técnica (ACT) com a Ebserh e a UNIRIO para a fusão do HFSE com o HUGG.
Em abril deste ano, foi divulgado o “Relatório de Diagnóstico Integrado”, documento com os resultados do estudo conduzido pelo Grupo de Trabalho (GT) responsável pela análise da integração do HFSE e do HUGG. A proposta apresentada é de um hospital geral adulto e pediátrico de alta complexidade para atendimento clínico, cirúrgico e materno infantil, além de serviços de apoio diagnóstico e terapêutico, que deverá contar, ao final, com 541 leitos hospitalares.
De acordo com o documento, “a fusão dessas duas unidades se insere em um cenário de necessidade de otimização dos serviços de saúde pública no Brasil, principalmente em grandes centros urbanos, como o Rio de Janeiro. Esse processo tem como objetivo integrar as expertises administrativas e clínicas de ambos os hospitais, criando um sistema mais robusto, capaz de oferecer uma atenção médica ainda mais qualificada e abrangente à população". Além disso, o estudo indica potencial de economia anual de até R$33,8 milhões.
Por outro lado, o Sindicato dos Trabalhadores em Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Sintufrj) e o Sindicato dos Trabalhadores em Saúde, Trabalho, Previdência e Assistência Social no Estado do Rio de Janeiro (Sindsprev/RJ) se posicionaram contra fusão das unidades de saúde e temem a queda da qualidade dos serviços e a descaracterização do prédio histórico onde o HUGG funciona, uma estrutura considerada representante do estilo arquitetônico neocolonial.
Na tentativa de elucidar diversos pontos que envolvem a fusão do HFSE com o HUGG, a equipe do OPGH da Fiocruz conversou com o atual superintendente do HUGG, João Marcelo Ramalho Alves.
Confira!
Como se dará a absorção do HFSE pela UNIRIO e a Ebserh? Haverá uma fusão do Hospital Gaffrée e Guinle com o Hospital Federal dos Servidores do Estado? Quais são os principais desafios hoje identificados para se levar a cabo tal iniciativa?
Antes de responder a sua pergunta, é importante a análise de cenário e histórico do Hospital Universitário Gaffreé e Guinle. O Hospital foi inaugurado em 1929, obra filantrópica das famílias Gaffrée e Guinle, à época uma das maiores instituições de promoção de saúde pública do mundo, dedicado ao atendimento de portadores de sífilis e doenças venéreas, principalmente trabalhadores e estivadores dos portos do Rio de Janeiro, sob gestão das famílias Gaffrée e Guinle. Então, sua concepção foi de um hospital de doenças infecto contagiosas, de baixa renda, composto por 320 leitos clínicos e laboratório. Portanto, sua arquitetura reflete as necessidades da época de sua construção. Em 1966 foi incorporado à Escola de Medicina e Cirurgia. A partir de 1968 passou a ser denominado “Hospital Universitário Gaffrée e Guinle”, só após 1982 passou a atender ao INAMPS. Em 05 de junho de 1979, passou a integrar a Universidade do Rio de Janeiro (UNIRIO). Após a incorporação à Escola de Medicina e Cirurgia e à UNIRIO, foram feitas adaptações para atividades acadêmicas, centro cirúrgico, centro obstétrico, sua arquitetura original e suas limitações.
Desde final da década de setenta, foram feitos estudos de ampliação, readequação, propostas de novos espaços para atender às demandas de ampliação, conforto, segurança e melhores condições de ensino, até o momento nenhuma das tentativas logrou êxito. A necessidade de um novo Hospital Universitário é baseada na falta de infraestrutura predial, limitações físicas, inadequação às novas normas de segurança e sanitárias. Após a mudança do Governo Federal em 2023, foram iniciadas conversas sobre a reformulação da rede de Hospitais Federais do Ministério da Saúde no Rio de Janeiro. Nesta ocasião, a UNIRIO e a Ebserh apresentaram ao Ministério da Saúde a intenção em participar do processo, sendo o Hospital Federal dos Servidores o que mais se aproximava da necessidade de um Hospital Universitário, capaz de oferecer todas as especialidades, campo de prática de ensino, residência médica e multiprofissional e pesquisas.
Na minha opinião, os desafios são proporcionais à magnitude e ineditismo deste processo, pois não há no Brasil caso de fusão/incorporação hospitalar pública e universitária, tratando-se de uma unidade de 108 mil metros quadrados, capacidade de mais de 500 leitos, tudo é muito superlativo. A transferência dos serviços do HUGG para HFSE, já será um grande desafio, pois envolve diversos aspectos técnicos, administrativos, assistenciais e de gestão de pessoas. A implantação do modelo de gestão da Ebserh com governança, accountability, compliance, Integridade, transparência, equidade, responsabilização e sustentabilidade é que irá nortear esse processo. O objetivo é integrar os serviços do HUGG aos serviços assistenciais do HFSE, obviamente com algumas mudanças, principalmente relacionadas às atividades de ensino das Escolas da Saúde da UNIRIO. O dimensionamento, oferta de leitos e serviços, estarão em comum acordo com o Sistema de Saúde local, suas demandas e necessidades, dentro de um contrato de gestão com a SMS-RJ.
Quais são as etapas, o tempo previsto e os recursos financeiros estimados para a efetivação deste projeto?
Este estudo foi apresentado aos conselhos superiores da UNIRIO e aprovado no início de junho de 2025. O próximo passo é a cessão e posterior transferência do patrimônio do Ministério da Saúde para a UNIRIO, só então, inicia-se o processo propriamente dito. Então, até o momento, estamos nas fases preparatórias. Estima-se, caso ocorra tudo dentro do previsto, algo em torno de 12 a 18 meses para finalização da transferência e da nova operação, com a manutenção do orçamento de custeio do HFSE e do HUGG com algumas adequações. E quanto à previsão de recursos de investimento, essa ainda se encontra em fase de construção.
Tratando-se de uma fusão de hospitais, pode se falar na implantação de um novo hospital, com um novo perfil assistencial. De acordo com o estudo preliminar do MS, a nova unidade terá 541 leitos. O seu perfil já foi definido? Qual será? À luz de quais critérios se deu esta definição?
Sim, este é o objetivo, ter um hospital autônomo, capaz de realizar todos os procedimentos de média e alta complexidade em todas as áreas da saúde, como cirurgias, transplantes, oncologia, atenção cardiovascular, neurocirurgia, radioterapia, diagnósticos e procedimentos avançados em radiologia. Hoje, ao analisarmos o perfil assistencial do HUGG e do HFSE, já temos uma ideia de que esses hospitais já cumprem um papel significativo na alta complexidade da saúde no nosso estado. Com a fusão, esperamos ampliar atendimento em atenção cardiovascular, com serviços de hemodinâmica 24 horas, cirurgias cardiovasculares, neurocirurgias e cirurgias vasculares por rádio intervenção, cirurgia robótica, transplantes, maternidade de alto risco, neonatologia, ampliação e especialização em terapia intensiva clínica e pós operatória, CTI neonatal e pediátrico, além de ampliar atendimento ambulatorial e procedimentos de curta permanência
Todos serviços e especialidades hoje oferecidos nas duas unidades serão mantidos? E em que medida esta definição tomou em consideração as lacunas e desafios existentes hoje da atenção hospitalar no sistema público da cidade e do estado?
Sim. Totalmente, o Hospital Universitário é 100% SUS e deve seguir todas as determinações dos gestores locais, pactuando metas qualitativas e quantitativas, participando ativamente do plano de saúde.
As secretarias estadual e municipal do Rio de Janeiro participaram de alguma forma da formulação desta proposta?
Sim, as discussões sobre esse processo têm envolvido todos os atores da saúde pública - federal, estadual e municipal.
O novo hospital já abrirá em plena capacidade de funcionamento ou haverá um período de transição?
Obviamente, esse é um projeto de médio e longo prazo, pois envolve uma série de variáveis, órgão governamentais, disponibilidade orçamentária e financeira, projetos, execução de adequações de espaço físico, aquisição de novos equipamentos de grande porte e grande complexidade, com exigências técnicas e legais complexas, então, é um projeto que, certamente, levará alguns anos para estar totalmente concluído e em sua máxima capacidade.
E quanto às atuais instalações físicas do HUGG, qual destinação elas deverão ter? Isso já foi definido?
Esse é um tema muito caro para a UNIRIO, estamos projetando uma utilização em conjunto com a SMS, SES, MS e as Escolas da Saúde, em atendimento assistencial ambulatorial associado a pesquisas focado em doenças crônico-degenerativas, e associadas ao envelhecimento, área em que mais cresce demanda demográfica e de maior interesse científico mundial, associado à atenção básica com clínica da família e CAPs, preenchendo uma deficiência que as escolas têm na formação de graduação e pós-graduação.
Os hospitais federais do Rio de Janeiro, inclusive o HFSE, encontravam-se em operação sob um grande déficit de pessoal. A abertura do novo hospital prevê a contratação de novos servidores? Já existe uma estimativa do número e do perfil de servidores necessários?
Sim, já foram realizados estudos de dimensionamento, e sua reposição será por concurso público via Ebserh com contratos celetistas, dentro do plano de cargos e salários existentes na empresa. A estimativa inicial é recomposição de cerca de 1.300 profissionais.
O futuro hospital irá contar com quadros vinculados a diferentes instituições (Unirio, MS, Ebserh e terceirizados), com diferentes contratos trabalhistas e padrões salariais e, além disso, sujeitos a distintas culturas organizacionais. Este quadro pode dificultar a condução da unidade? Há alguma medida prevista para favorecer uma melhor integração desses quadros?
Na minha opinião, esse é o maior desafio, teremos estatutários do MEC, com um plano de cargos e salários superior aos dos Estatutários do Ministério da Saúde, os empregados públicos celetistas da Ebserh, além dos professores das escolas. Inicialmente, teremos grandes dificuldades, porém, com o tempo, a reposição será por celetistas o que projeta um futuro com maior estabilidade.
De acordo com o estudo preliminar do MS, a expectativa é de que a fusão dessas unidades resulte em uma economia de R$ 33,8 milhões. Como esse valor foi calculado?
Ao fundir as duas unidades, aglutinamos serviços, que hoje são necessários estar em funcionamento nos dois hospitais, após a transferência, apenas um serviço é suficiente, gerando ganho em escala.
Considerando que o próprio relatório do MS prevê a necessidade de modernização e reforma do espaço físico do HFSE, onde funcionará o novo HU, do ponto de vista financeiro, ainda assim, compensará levar a cabo esta integração?
As adequações, modernizações em uma unidade hospitalar são extremamente complexas. Todos grandes hospitais públicos e privados que conheço passaram por processos de modernização em funcionamento e esse deve ser o modelo adotado pela Ebserh, UNIRIO e MS no prédio do HFSE. Diferente do HUGG, o HFSE foi construído com objetivo de prestar assistência para a elite do funcionalismo público da então capital federal, portanto, tem infraestrutura que comporta as adequações e incorporações tecnológicas.
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