Data da publicação: 8 de janeiro de 2021

O ano de 2021 parece uma continuação de 2020, mas já veio com uma grande promessa: as vacinas contra a COVID-19. Desde que o novo coronavírus foi descoberto na China, há aproximadamente um ano, nações desenvolvidas e periféricas enfrentam o esgotamento de leitos hospitalares e até mesmo a morte de centenas de milhares de pessoas – caso dos Estados Unidos, da Índia e do Brasil, que atualmente ocupa a segunda posição no número de mortos (atrás dos EUA). Logo no início do ano, atingimos a triste marca de 200 mil óbitos. Também agora, diversos países (como o Reino Unido) e estados brasileiros passam por um novo recrudescimento na pandemia, e o pesadelo das filas de espera por leitos e das mortes numerosas voltou a ser uma realidade com a qual é impossível se acostumar.

Para ajudar a entender o cenário atual e o que esperar deste ano, o Observatório de Política e Gestão Hospitalar (OPGH/Fiocruz) conversou com Leonardo Bastos – estatístico e pesquisador-associado do Programa de Computação Científica da Fiocruz. Pós-doutor em epidemiologia de doenças infecciosas na London School of Hygiene and Tropical Medicine, no Reino Unido, Leonardo também é professor permanente dos programas de pós-graduação em Epidemiologia em Saúde Pública (ENSP) e Biologia Computacional e Sistemas (IOC) da fundação.

Na pauta estão a segunda onda, a nova variante do Reino Unido e a vacina – todas com foco no Brasil e levando em consideração a relação que mantêm com as hospitalizações pela COVID-19.

O momento da pandemia que vivemos já pode ser considerado uma segunda onda?

Esta é pergunta difícil, pois na verdade não sabemos o que é uma onda. Em alguns lugares do país não houve uma onda definida: São Paulo não caiu, é como se fosse uma grande onda desde o início. Já em outros, como Amazonas, Rio de Janeiro, Distrito Federal, Pará, Ceará, Pernambuco, este primeiro momento com muitos casos, hospitalizações e óbitos foi bem definido. Países como o Irã já se encontram na terceira onda. Mas é um fato que, hoje, muitos lugares apresentam uma tendência de crescimento, aumento de casos em vários lugares que tiveram queda e até onde não houve queda expressiva (que foi o caso de São Paulo). Apesar dos nomes, o que importa é que está aumentando muito o número de casos e de hospitalizações, assim como a média diária de óbitos.

Qual seria a diferença, então, entre o início da pandemia e o momento que estamos vivendo?

O que acontecia antes tem a ver com a dinâmica da epidemia – dessincronia, com a introdução da epidemia em diferentes lugares, em temporalidades distintas. Agora, é uma espécie de sincronia. Está tudo crescendo junto, ao mesmo tempo, em vários lugares – e isso é um problema porque não há para onde fugir. Todos os lugares estão enfrentando escassez de leitos, escassez ou esgotamento de profissionais de saúde. De forma geral, a epidemia já está estabelecida em todos os estados e não há mais medidas de mitigação; o retorno da alta do número de hospitalizações está acontecendo, da mesma forma, em todos os lugares. É interessante ressaltar que, logo no início, a primeira coisa que notamos foi uma mudança no perfil da SRAG: a partir de março, vimos que não eram mais as crianças, e sim os idosos que apresentavam Síndrome Respiratória Aguda Grave. Esta foi a primeira maneira que a COVID apareceu nos dados.

O novo temor, agora, é a variante descoberta no Reino Unido – a cepa B.1.1.7. Qual impacto esperado desta variante no Brasil?

A evidência que temos da London School de Higiene e Medicina Tropical, por exemplo, é a que chamamos “ecológica”: onde havia a variante, havia mais transmissão; onde não havia, havia menos. A evidência da transmissibilidade, portanto, é maior. Parece contraintuitivo, mas é pior uma transmissibilidade maior do que uma letalidade maior – porque o número de hospitalizações aumenta, e com isso também aumenta sobrecarga hospitalar, o que impacta nos óbitos. O quão estabelecida esta variante está no Brasil não se tem ideia. O único estudo que foi feito tem um viés grande de seleção – um instituto de São Paulo, análise de uma amostra pequena de pessoas, em grande parte também provenientes de São Paulo (a confirmação dos casos da linhagem B.1.1.7 do vírus foi dada, de acordo com a rede Dasa, por meio da análise de 400 amostras de exames RT-PCR feitos com saliva. Foi feito um sequenciamento genético em parceria com o Instituto de Medicina Tropical da USP). Não temos ideia do valor em termos de porcentagem, mas a presença desta cepa aqui é muito preocupante. Claro que também há o viés da disponibilidade de testes, mas o aumento registrado por meio de dados de hospitalização é inequívoco. No Brasil, há lugares ruins e muito ruins (como novamente o Rio e Manaus), mas não há dados que demonstrem se isso deve-se à nova variante ou a uma mudança de comportamento social no fim deste ano.

O assunto de 2021 é a vacina. Afinal, o que podemos esperar da vacinação?

Bom, contra a COVID-19 são várias vacinas, com eficácias e logísticas distintas. A maior parte delas visa diminuir a gravidade dos casos – é assim que funciona com a vacina de influenza. Isso quer dizer que você pode até pegar gripe, mas não vai parar no hospital. Há vacinas que bloqueiam a transmissão, mas até onde sabemos as vacinas da COVID-19 são para reduzir a gravidade da doença. E isso é muito importante saber. A redução da transmissão seria um efeito secundário, e quando você aplica isso a muita gente, gera a chamada imunidade de grupo. Quando ela é atingida (aproximadamente 70% da população vacinada), você protege as pessoas nas quais a vacina não funcionou. Há ainda pessoas que não podem tomar (por alergia, ou por estarem com o sistema imune muito comprometido). Então, se muita gente toma, você não vai ter contato com o vírus. Isso é imunidade coletiva. E isso é para qualquer vacina, não apenas a da COVID-19. O sarampo é um caso. E adicionando a nova variante, a vacina faz-se ainda mais necessária, porque mesmo com muitos casos haverá uma redução nas hospitalizações. Mas também pode acontecer o contrário do efeito esperado por conta do comportamento das pessoas: toma a vacina, mas o pessoal acha que está totalmente protegido e o número de hospitalizações aumenta. Creio que a estratégia da Inglaterra tem a ver com isso: vacinação em massa e lockdown durante sete semanas para as pessoas não aglomerarem.

O esquema do Plano Nacional de Imunização (PNI) é por etapas. Do ponto de vista das hospitalizações, por que isso é necessário?

Primeiramente, há um número limitado de vacinas. Então, definimos pelos grupos de maior risco de hospitalização e óbito (segundo dados do SIVEP-Gripe para SRAG, dados da Fiocruz e do IBGE); então, são feitas várias estimativas levando isso em consideração, levando em conta a quantidade de vacina disponível. E há que se pensar em uma estratégia para o país todo (o PNI). Por exemplo: por que começa com pessoas com mais de 75 anos? Porque esta população é compatível com o número de vacinas disponíveis e é o grupo mais suscetível a hospitalizações. E aí vêm os profissionais de saúde, e por aí vai. Os critérios levam em consideração os dados, a revisão de literatura e as vacinas que vão chegar. Outros riscos muito grandes de hospitalização, além do fator idade, são comorbidades (definidas por meio dos dados do SIVEP-Gripe para SRAG, dados da Fiocruz e do IBGE, e da literatura), populações indígenas, quilombolas e privadas de liberdade. Assim, tentamos criar um ranking baseado em hospitalização e óbito.

É possível dizer quando tudo estará normal novamente?

Não é simples estimar nem mesmo quando a situação irá começar a estabilizar pelo menos um pouco, já que dependemos das vacinas disponíveis e da logística. Pelo menos até o meio do ano, não vai melhorar substantivamente mesmo com a chegada das vacinas – já que a vacinação começará com grupos de risco e prioritários. Há grandes chances de as hospitalizações explodirem ou até mesmo continuarem explodindo. Então, este ano ainda será difícil. Mas depois, teremos nossas vacinas. Mas chato é que veremos outros países em uma situação bem melhor, enquanto essa ainda não será a nossa.