20 de maio de 2019

Unidades hospitalares de saúde produzem cotidianamente um volume expressivo de dados. Os estudos sobre o assunto no Brasil, entretanto, indicam que em geral gerentes ainda se utilizam muito pouco de informações e indicadores no processo de tomada de decisão. Com o Gestão à Vista, IFF busca fazer diferente.

 

Há pouco mais de um ano, o Instituto Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz), no Rio de Janeiro, começou a adotar uma metodologia de gerenciamento que já mostra seus primeiros resultados. O Gestão à Vista é exatamente o que o nome sugere: uma forma de deixar indicadores à vista de todos – gestores, trabalhadores, pacientes e acompanhantes –, fazendo com que seja mais fácil observar acertos, falhas e objetivos. “Se queremos implantar mudanças focadas no bem estar do paciente e precisamos saber se as mudanças estão sendo eficientes para melhor atender esse paciente, então devemos perseguir os indicadores de saúde”, explica o diretor da Atenção do Instituto, Antonio Luiz Gonçalves Albernaz.

Para isso, mesmo antes do Gestão à Vista, o hospital havia implantado nas internações o uso de quadros kanban – cartões de sinalização que controlam os fluxos em cada setor. “É uma ferramenta inicialmente usada por fábricas que fazem linhas de montagem. Obviamente nosso uso é distinto: usamos para verificar as pendências no tratamento de um paciente e agilizar as soluções. Por exemplo, se o paciente depende apenas de um exame específico ou de uma avaliação para ter alta, isso é sinalizado no quadro para a equipe providenciar isso no tempo certo, para evitar que se prolongue desnecessariamente a internação”, afirma.

Se o kanban deixa visível o fluxo de cada paciente, o Gestão à Vista mostra a situação geral de cada unidade e do próprio Instituto. Em toda parte, há um quadro em que indicadores são apresentados.  Dois são institucionais, escolhidos para o hospital inteiro: o tempo de internação e a identificação segura do paciente. De acordo com Antônio, eles foram escolhidos como prioritários pois fazem parte das seis metas da segurança do paciente estabelecidas pela OMS.

O coordenador explica que diminuir o tempo médio de internação – perseguindo os indicadores considerados bons pela literatura – é importante porque, na prática, é uma forma de aumentar a capacidade de internação sem aumentar o número de leitos.

Já a identificação do paciente a partir de uma pulseira com nome, data de nascimento e número do prontuário é algo essencial. Mas, na prática, mesmo medidas aparentemente muito simples e básicas não são fáceis de se colocar em prática, dadas as condições de funcionamento das unidades. “O ideal é conseguir isso também nos pacientes ambulatoriais, mas começamos com os internados. Não é fácil alcançar uma taxa de 100% porque há os mais variados problemas: pode faltar pulseira, pode quebrar a impressora que grava as informações na pulseira, mães podem tirar a identificação da criança na hora do banho, temos pacientes com alergias cuja pele não pode ter contato com a pulseira. No nosso caso específico, temos ainda um problema adicional porque há mais de uma porta de acesso ao hospital, e há pacientes que entram pela porta onde não é feita a identificação”, enumera ele.  

Porém, mesmo sob condições difíceis há espaço para iniciativas voltadas para a gestão mais eficiente dos recursos disponíveis e para uma assistência mais segura. Os indicadores de identificação segura registrados com o Gestão à Vista tornam mais fácil observar os problemas e discutir soluções neste âmbito.

Além desses dois indicadores institucionais, cada unidade escolhe entre um e três indicadores específicos que precisem melhorar. “A neonatologia é a unidade que está mais avançada nisso e vem tratando a questão dos indicadores desde antes do projeto, há mais de dois anos. Comparando seus indicadores com os de outros locais e serviços, a gestão percebeu que a maior questão lá não dizia respeito aos pacientes com malformações, mas aos bebês prematuros. Enquanto os primeiros precisavam ser tratados, os últimos ocupavam os leitos por mais tempo, portanto era aí que deveria estar o foco para se conseguir diminuir o tempo médio de permanência. A partir daí, se concluiu que um fator que aumentava o tempo de internação era a hipotermia. Portanto, a hipotermia, que é um problema específico da neonatologia, é um indicador usado pelo setor”, exemplifica Albernaz.

A implantação do Gestão à Vista é, em suas palavras, uma mudança de cultura. Primeiro porque se trata de expor informações sobre o dia a dia de forma muito transparente. Segundo, porque as equipes precisam fazer alterações em seus processos de trabalho para incluir na rotina o preenchimento e observação dos quadros. E, como toda grande mudança, ela trouxe consigo algumas dificuldades. “Para os trabalhadores, toda forma de controle pode ser vista inicialmente como algo persecutório, como se estivéssemos tomando conta do trabalho para apontar defeitos. Assim, a exibição de indicadores representa inicialmente um choque cultural: ao mesmo tempo em que todos percebem a importância de usar os indicadores para avaliar o serviço, há discordâncias em relação a como tratá-los e apresentá-los”, comenta o diretor.

As dificuldades vindas daí são variadas. “Desde alguém não acreditar que vai dar certo e resistir em participar das discussões sobre os indicadores, até achar que o local onde o quadro está afixado vai atrapalhar. Foram situações que vivemos no início”, exemplifica Antônio. A enfermeira Elzeni Braga, gerente da UTI Neurocirúrgica, comenta que havia também um receio em relação à exposição dos dados dos pacientes, mesmo que sem os nomes. “Com o tempo, as ferramentas trouxeram uma melhora efetiva na comunicação da equipe, que era falha, e uma maior integração. As pessoas começaram a entender a importância desse processo para melhorar o cuidado e os indicadores. Então a aceitação aumentou bastante”, conta.

Apesar da resistência inicial, Albernaz diz que a aceitação foi melhor do que se esperava. Na primeira rodada de avaliação, dos 120 leitos de maternidade e pediatria, só houve dificuldades para implementar a metodologia em 11, todos de uma mesma enfermaria. “Foi um índice mais positivo do que esperávamos, e identificar essa dificuldade localizada nos permitiu trabalhar esse grupo especificamente”, diz Albernaz. Ele ressalta que a fragmentação é um dos problemas mais graves em hospitais terciários, e que também está presente no IFF. De acordo com ele, a coordenação de Atenção busca dar conta da fragmentação ao trabalhar a integralidade dentro dos serviços, mas não é fácil.

Além do preenchimento dos quadros, a discussão dos indicadores é uma etapa importante. “Toda semana, quando a equipe se reúne para passar o caso de cada paciente, analisamos  o tempo de permanência, os pontos críticos, o que se pode fazer e o que cada membro pode resolver, estabelecendo metas e datas. E a cada três meses discutimos os indicadores no colegiado. Então tentamos traçar planos para melhorá-los, pensamos as mudanças necessárias”, conta Elzeni.

Ainda é cedo para apresentar os impactos do projeto, porque para isso seria necessário um período maior. O ideal, explica Albernaz, é ter ao menos alguns anos de implantação para que os dados sejam avaliados de forma mais acurada, já que há sazonalidades específicas de cada hospital. O IFF, por exemplo, atende muitas crianças, e nos meses de outono e inverno há muitas internações devido a problemas respiratórios. Então, os indicadores de cada período devem ser comparados com os mesmos períodos dos anos anteriores. “Mas já podemos afirmar que os trabalhadores estão sendo provocados a repensar seus processos de trabalho em relação ao cuidado do paciente. E todos olham diariamente para os indicadores sabendo que precisamos impactá-los”.

Hoje, o Gestão à Vista faz parte da rotina do hospital. Agora, restam alguns desafios para aperfeiçoar sua implantação. “Precisamos qualificar a inserção dos dados no quadro e qualificar a escolha dos indicadores para cada unidade”, exemplifica Albernaz. E, segundo Elzeni, falta também incluir mais os usuários nas discussões. “Queremos ter maior participação deles. Hoje, quando a equipe se reúne para discutir a situação de cada paciente, já permitimos que eles fiquem junto, que exponham suas dúvidas”, afirma.