Data da publicação: 16 de dezembro de 2021

Autores: Francisco Braga, Leila Salim, Raquel Torres e Simone Ferreira (OPGH/Fiocruz)


OPGH entrevista Nésio Fernandes, secretário de Saúde do Espírito Santo

 

Em 2019, a Secretaria de Estado da Saúde do Espírito Santo (Sesa/ES) instituiu um grupo de trabalho para elaborar um Plano de Modernização Hospitalar. Era o primeiro ano da atual gestão do governo do estado e, naquele momento, discutia-se a necessidade de modificar os contratos com as Organizações Sociais (OS) e a política de financiamento para os hospitais filantrópicos, além da possibilidade de implantar no estado uma solução que já havia sido discutida em nível nacional: a fundação pública de direito privado. 

Um ano depois, em março de 2020, tal modelo foi de fato adotado com a criação da Fundação Estadual de Inovação em Saúde – iNOVA Capixaba. Dando sequência aos esforços de discussão e análise sobre novos modelos de gestão para a atenção hospitalar no Brasil, o Observatório de Política e Gestão Hospitalar da Fiocruz (OPGH/Fiocruz) conversou com Nésio Fernandes, secretário de Estado da Saúde, para entender o que motivou a Sesa/ES a criar a a iNOVA e quais resultados foram alcançados até o momento. 

A entrevista, que abordou ainda outros aspectos do plano de modernização, como o futuro das Organizações Sociais no estado, será publicada em duas partes. Aqui, você confere a primeira delas, que trata mais diretamente da experiência com a iNOVA, e suas possíveis contribuições para o aprimoramento da gestão dos hospitais públicos no país. 

 

O Plano Estadual de Saúde para o Estado para o período 2020-2023 indica a elaboração de um plano de modernização da gestão hospitalar pela Sesa. Esse plano foi de fato elaborado? O que motivou a proposta? 

A atenção hospitalar em geral no Sistema Único de Saúde é muito ruim – a assistência no SUS é muito ruim. Nós, sanitaristas, militantes da Reforma Sanitária, que dedicamos nossa vida a defender e consolidar o SUS, temos uma narrativa muito justa que se foca nas inúmeras conquistas do nosso Sistema. Sempre mencionamos, por exemplo, a redução da mortalidade infantil, que foi um grande alcance que tivemos por conta tanto da expansão da atenção primária e da vacinação, como por conta da urbanização e da melhoria das condições sociais. Houve de fato uma série de mudanças nos determinantes de saúde da população. Mas também é preciso levar em conta que a queda impressionante da mortalidade infantil, por exemplo, está vinculada ao fato de que essa taxa era extremamente alta antes, e não significa que tenha chegado a um patamar ótimo. Saímos de taxas de 40 ou 50 mortes a cada mil nascidos vivos, para números entre 15 e 20 – no Espírito Santo, estamos em 8,9.

Houve avanços, e temos muitas virtudes no SUS, como a imunização, as normas de vigilância e as políticas para redução de risco e prevenção de agravos. No entanto, quando se trata de assistência, temos uma atenção básica extremamente fragilizada; uma atenção especializada em geral desorganizada; e uma atenção hospitalar totalmente fragmentada. 

No nosso estado, a estrutura assistencial era muito ruim, e a engrenagem regulatória – que  tem a função de conectar os diversos níveis de atenção, de maneira a criar um itinerário terapêutico claro para o paciente – tinha um padrão de funcionamento de baixo desempenho. Para se ter uma ideia, em alguns municípios os pacientes eram colocados em quatro filas simultâneas: a fila da regional, a fila do consórcio, a dos hospitais filantrópicos e a da regulação estadual. 

Na última transição do governo estadual, prestei uma consultoria para o governo e fiz um diagnóstico da saúde pública no estado, apontando diretrizes para a sua reorganização. Assim, reunimos elementos para a discussão da necessidade de um plano de modernização hospitalar, que desse conta da infraestrutura, da qualidade da atenção nos hospitais e da articulação desses hospitais em rede.

Em 2019, publicamos uma portaria instituindo um Grupo de Trabalho para a elaboração do plano de modernização hospitalar. A partir daí, preparamos um termo de cooperação com a Organização Pan-Americana da Saúde e uma série de processos simultâneos foram disparados na Secretaria.

O plano de modernização hospitalar está disponível para consulta?

Tivemos em 2019 alguns documentos que foram produzidos e estruturaram as linhas do plano, mas não me recordo se chegamos a compilar um documento único. 

A criação da Fundação iNOVA se insere nesse contexto de modernização hospitalar?

Então,  o plano de modernização abrange a filantropia, a criação de uma prestadora de serviços pública — que é Fundação para gerir parte dos hospitais —, a modernização no modelo de atenção, a modernização da engenharia regulatória com a implantação do NIR e a melhoria da regulação de leitos e, também, a  alteração no modelo legal das OSs.

Na realidade, nós criamos duas ICTs (Instituições Científicas, Tecnológicas e de Inovação). Uma delas é a Fundação iNova, mas criamos também o ICEPi (Instituto Capixaba de Ensino, Pesquisa e Inovação em Saúde), uma Fundação estadual de direito público voltada principalmente para a formação de recursos humanos e para as residências. 

Na nossa avaliação, a gestão pública direta pode ser adequada para uma série de atividades e serviços, como os serviços de saúde assistenciais de caráter ambulatorial, em que há previsibilidade de consumo médio de insumos e de medicamentos e uma forma de organização simples das escalas profissionais (na qual elas funcionam em período comercial, por exemplo). Nesses casos, as atividades podem ser administradas e ofertadas pela administração pública direta sem grandes complexidades. 

No entanto, para a gestão de maior complexidade, nossa aposta foi a fundação pública de direito privado, uma figura criada pelo Estado, como uma solução dentro do próprio Estado, com condições de ser prestadora de serviços de saúde com foco na gestão hospitalar e com um grau de amadurecimento e um escopo legal que permitissem agilidade à gestão dessas unidades. Isso não se faz necessário por questões assistenciais, já que conseguimos fazer uma boa gestão assistencial dos hospitais através da gestão pública direta. Não temos, por exemplo, problemas em implantar a medicina hospitalar e as residências, ou o NIR. Mas, quando se trata de controle de consumo, incorporação tecnológica mais pesada, compras públicas, do provimento [preenchimento de cargos públicos] pelo vínculo estatutário e outros, há questões. Hoje, o vínculo estatutário traz dificuldades na gestão hospitalar.

Por exemplo: atualmente, o salário inicial de médico, de acordo com o plano de carreira, é de R$9.600. É impossível contratar um especialista em início de carreira com esse valor, e a mudança do plano de carreira estatutária dentro do Estado implicaria uma progressão de risco previdenciário ao regime próprio e traria uma série de riscos fiscais para a gestão geral do Estado.  

O modelo da Fundação permitiu que criássemos um novo  plano de cargos e salários, aprovado em seu Conselho Curador. O salaŕio dos médicos foi para R$ 14.400 — e em alguns casos está sendo proposta uma remuneração maior. No caso dos profissionais de gestão, por exemplo, é preciso contratar bons gestores hospitalares no mercado — o que é facilitado por esse modelo. 

Quanto aos riscos fiscais envolvidos na carreira estatutária, você se refere à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF)? 

Sim, porque implica um aumento de gastos com pessoal. Já com a Fundação, os gastos com os contratos são enquadrados como despesas de prestação de serviço e, assim, não entram nos cálculos do impacto da LRF. Dessa forma, não impactam os indicadores de avaliação do Tesouro Nacional.

Além disso, há também diferenças quanto à progressão do regime de carreira própria. Nesse caso, quando há aumento de salário inicial, projeta-se a carreira futura considerando a possibilidade de impacto também no teto da carreira desses profissionais e no regime previdenciário próprio. Já no caso da Fundação, os trabalhadores estão submetidos ao regime previdenciário geral (o INSS) e podem participar do regime previdenciário complementar em outra Fundação, a Preves, que foi criada no estado e gere a carteira previdenciária complementar para os servidores estaduais do Espírito Santo. O impacto em questões fiscais se dá porque o desequilíbrio do regime previdenciário também é um dos itens avaliados no cumprimento de metas fiscais dos estados. 

É preciso explicitar que, nesse contexto, há dimensões relativas à macroeconomia do Brasil. São questões vinculadas ao direito administrativo e ao direito público em geral, não sendo, necessariamente, dilemas da gestão do SUS. No caso específico da atividade hospitalar, dadas as suas dimensões e escalas, acreditamos que seria mais simplificado trazer um modelo fundacional não dependente para uma  relação de prestação de serviços com o Estado – o que seria, inclusive, uma solução para a situação em que o Estado se torna refém das entidades filantrópicas e das OSs. Teríamos uma figura ágil que pudesse contratar de maneira rápida e sem precisar lançar mão de contratos temporários da gestão pública direta.

Foi  o que fizemos, por exemplo, quando encerramos um contrato com uma OS e colocamos a Fundação para gerir o hospital que ela administrava. Temos resultados muito bons do ponto de vista dos indicadores quantitativos do hospital. Houve problemas na transição, com a compreensão do que era novo, da própria Fundação. Mas um dado simples ajuda a entender as mudanças: a Fundação cumpriu em julho metas que eram para um ano inteiro, o que nós contávamos em saídas para doze meses de contrato com OS, e com o mesmo valor de contrato. 

Durante a gestão da OS no hospital, eram estabelecidas metas mensais para serem cumpridas até o dia 18 ou 20 do mês, e depois esse processo parava. O tempo médio de permanência do paciente aumentava, havia redução de cirurgias, não tínhamos Núcleos Internos de Regulação (NIRs) funcionando de madrugada… A partir dessa experiência conseguimos garantir que a possibilidade de a Fundação assumir a gestão do hospital fosse também  levada em consideração — ela se tornou instrumento para que não ficássemos reféns das OSs. Na cidade de Vila Velha, por exemplo, tínhamos um contrato com uma OS e cogitamos fazer uma intervenção. Nossa primeira opção era justamente colocar a Fundação no lugar da OS. 

No caso das filantrópicas, se uma instituição for à falência temos condições de estatizar alguns dos hospitais filantrópicos e colocar a Fundação rapidamente para gerir essas unidades. Com esse modelo, conseguimos ter um ator na gestão hospitalar do estado que tem plena governança pública. O Conselho Curador da Fundação é composto pelo presidente, que sou eu, como titular da Sesa, e os secretários de Governo, de Economia e Planejamento e de Gestão e Recursos Humanos. Ele conta, ainda, com a participação das filantrópicas e do  Colegiado de Secretários Municipais de Saúde. 

E quanto aos ritos e processos administrativos? O que muda nessa transição da gestão pública direta para o modelo proposto pela Fundação?

Existe aí uma questão importante: na gestão pública direta e, especialmente, no Espírito Santo, houve um processo de depuração das instituições. Trata-se de um estado que, por exemplo, até os anos 1990 tinha esquadrão da morte, que viveu uma intervenção nas instituições estaduais há 20 anos, que testemunhou a cassação de mandatos de deputados etc. E, desse fenômeno de depuração das instituições, surgiu um empoderamento das estruturas de Estado. Um exemplo é a figura da Procuradoria Geral do estado, que se consolidou e hoje se posiciona como moderadora, inclusive, do poder político que emana das urnas. 

Isso acaba estabelecendo ritos intermináveis para os processos. Um processo de contratação de uma OS, por exemplo, passa por três ou quatro subprocuradorias, mais três controladorias distintas no controle interno do estado… Para ilustrar: abrimos um processo licitatório para contratar manutenção hospitalar em maio de 2019, e só conseguimos finalizá-lo agora em 2021.  

Essas estruturas, então, criaram ritos administrativos ineficientes. Eles podem ser adequados, mas, na prática, o tempo que levamos para o processo passar por todos os setores, com a devida motivação administrativa, com a devida justificativa técnica e com os esclarecimentos todos acaba gerando uma situação em que só é possível comprar uma prótese ou medicamentos em um hospital se isso for feito considerando seis meses de estoque. Não se consegue, por exemplo, fazer como os filantrópicos, que hoje têm estoques de quinze dias, com rotatividade, e assim, não chegam a dezembro com uma aplicação de custeio de 6 meses em compras hospitalares para poder garantir o suprimento. 

Trata-se de um momento em que o desempenho hospitalar precisa ter um upgrade, e isso é resolvido pelo modelo da Fundação. Ela tem um regulamento próprio de compras para atividades finalísticas. Para as atividades não-finalísticas, usa a Lei 8666/93. Todo procedimento de compras e contratações passa pelo setor jurídico, pelo controle e por sua área técnica. Os processos não passam por todo o rito estabelecido hoje na gestão pública direta, conferindo uma agilidade muito maior no procedimento de compras públicas. Isso pode garantir melhorias no desempenho assistencial e na administração dos hospitais. 

Em linhas gerais, esse é o contexto que nos motivou a criar a Fundação. Não pretendemos que os pequenos hospitais migrem para essa estrutura. Os hospitais pequenos do interior, por exemplo ‒ de baixa e média complexidade, com 50, 80 ou até 100 leitos  ‒, devem permanecer na gestão pública direta, porque entendemos que a gestão pública não deve perder a competência na administração de serviços hospitalares. 

O escopo e a carga administrativa desses hospitais para a estrutura da administração pública direta serão outros. Isso porque é diferente administrar somente quatro hospitais, que juntos somam 200 leitos, e administrar  1.200 leitos na gestão pública direta. Com a grande carga de leitos, há um congestionamento na tramitação desses processos na Sesa. No caso  desses quatro hospitais residuais, não haverá  grandes complexidades na administração. Na prática, eles assumem quase uma dimensão da complexidade ambulatorial, a que me referi anteriormente. 

Que tipo de mudanças na gestão de recursos humanos e organização das escalas de trabalho são impulsionadas por esse novo modelo?

Um exemplo prático: quando não há  uma escala de enfermeiros e técnicos de enfermagem organizada de maneira horizontal, temos dificuldade para garantir o cuidado horizontal nos hospitais. No regime de vínculo empregatício atual, o estatutário, não conseguimos substituir o modelo vertical pelo horizontal. E isso acontece, inclusive, por disputas com sindicatos, que defendem o direito de os servidores trabalharem com escalas verticais para que possam ter três ou quatro vínculos empregatícios. Quem atua na escola horizontal acaba tendo limitação de horário e, por isso, consegue ter no máximo dois vínculos. O sindicato tem uma atuação protetora dessa adaptação dos trabalhadores a diversos vínculos.

A Fundação permite que tenhamos uma ruptura de diversas questões, como essa. Os concursos públicos que serão feitos pela Fundação já trarão, em seus editais, a indicação da escala horizontal de trabalho. Isso significa que as pessoas prestarão o concurso sabendo que deverão cumprir escala horizontal de segunda a sábado, que a escala vertical é para carga horária extra e que, excepcionalmente, alguns contratos poderão ser estabelecidos para horário noturno. Assim, a Fundação permite que resolvamos dilemas que, no desempenho assistencial, somente conseguiríamos avançar se fizéssemos um grande concurso público na gestão direta, se avançássemos em questões nas quais o governo, por questões fiscais e de macroeconomia, estava limitado. 

Nós temos hoje, no estado, quase 10 mil servidores, grande parte deles vinculados através de contratos temporários. A gestão anterior do governo do estado, de Paulo Hartung (2015 ‒ 2019), caracterizada por uma concepção neoliberal muito forte,  propunha migrar todos os hospitais para OSs. Com a criação da Fundação, interrompemos o processo de migração dos hospitais para OSs.

E as contratações são todas através de concursos e processos seletivos públicos? 

Existe tanto a “pejotização” (compra de serviços de Pessoas Jurídicas médicas), como a realização de processos seletivos simplificados e também os concursos públicos. O primeiro concurso será realizado agora. 

O plano de carreiras já existe?

Não. Existe, apenas, a tabela inicial com o salário base. A perspectiva é que os trabalhadores consigam ao longo dos próximos anos estabelecer uma mesa de negociação, incorporando os sindicatos, e, a partir daí, se possa definir um plano para a Fundação que seja construído com a participação dos trabalhadores. 

Os hospitais atualmente geridos pela Fundação operam com  trabalhadores com vínculos trabalhistas, planos de carreira e salários distintos? Esta situação não tem suscitado dificuldades no dia-a-dia dos hospitais?

Hoje, a Fundação gere um único hospital (o Hospital Estadual Central Dr. Benício Tavares Pereira) e trabalha para assumir mais dois: o  Hospital Geral de Linhares e o Hospital Dório Silva. 

Neste momento, lidamos com três situações distintas. O Hospital Central era, anteriormente, gerido por OS. Quando a OS saiu, a totalidade dos servidores que permaneceram eram oriundos do processo seletivo feito pela organização e dos contratos com pessoas jurídicas. Então, nesse hospital não houve modificação do modelo, e vigora um modelo “puro”, e não híbrido. No caso do Himaba (Hospital Infantil e Maternidade Alzir Bernardino Alves), que é gerido por OS,  vigora um modelo híbrido, com servidores estatutários e empregados da OS.

Existe, ainda, um hospital que será doado para a Fundação e fará parte de sua estrutura própria, o Presidente Farias. Ao ser incorporado à Fundação, ele terá uma característica diferente dos hospitais que são do estado. O estado irá fazer uma permissão de uso para a Fundação e contratá-la para gerir o hospital, que é o do estado. Nesse hospital, há cerca de 200 servidores estatutários e a ampla maioria deverá ser remanejada para hospitais próprios. A Fundação vai ficar com 50 a 60 servidores cedidos. Já nos outros hospitais em que houver contratação da Fundação para prestar serviços, os trabalhadores irão permanecer com modelos híbridos, e serão comportados tanto servidores efetivos como empregados públicos da própria Fundação. 

As iniciativas de mudança dos modelos de gestão dos hospitais públicos no país têm suscitado muitas apreensões e resistências, sobretudo por parte de entidades sindicais e trabalhadores. Houve muita oposição à  implantação da iNOVA  por parte desses setores? 

Existe uma característica importante da macropolítica capixaba que é a seguinte: o governo de Renato Casagrande conseguiu criar uma concertação política e institucional. O modelo da política econômica que ele propôs no estado não enfrentou, salvo algumas críticas específicas,  oposição ou disputa com os atores econômicos e com a sociedade. Não houve oposição para a implementação do modelo econômico que se propôs ao estado,  mesmo na área da educação, da saúde e nas diversas áreas sociais. O governador construiu governabilidade, tanto na sociedade quanto no parlamento, e também na relação com prefeitos e órgãos de controle. Não tivemos greves ao longo desse governo, nem conflitos com a segurança pública ou fortes crises institucionais. Foi muito tranquilo do ponto de vista da governabilidade.

Quanto à Fundação, tivemos em 2019, período inicial da proposta, a cautela de fazer um curso de quatro meses envolvendo sindicatos, as instituições do controle social, o tribunal de contas, a procuradoria, a secretaria de Economia e Planejamento, a Fazenda e o Instituto de Direito Sanitário Aplicado (Idisa). Isso pacificou o modelo da Fundação. 

Mesmo com essa etapa preparatória, algumas centrais sindicais até hoje ecoam, em grupos muito reduzidos, a acusação de que o modelo traz precarização das relações de trabalho através do vinculo celetista. Isso não faz sentido. Como dizer que a condição legal que ampara a classe trabalhadora brasileira, a vinculação celetista, que queremos que todos tenham na vida privada, é um vínculo precário? Como dizer que garantir o amparo da CLT é uma forma de precarização do trabalho?

A Fundação trabalha no marco da CLT e prevê um processo seletivo público que dá ao trabalhador um vínculo de estabilidade celetista. Não é a mesma estabilidade do servidor estatutário, mas não é precarização. É um outro modelo – aquele a que está submetida a classe trabalhadora. Não há como, com honestidade intelectual, respeitar esse argumento de que a Fundação precariza os vínculos trabalhistas. 

A tabela salarial da Fundação, em alguns casos, é, de fato, menor que a do Estado. Isso porque os encargos patronais dos vínculos celetistas são maiores. O que fizemos foi permitir que pudesse pagar tanto melhores salários para os gestores como não ter incremento de gastos na folha de pagamento. Por exemplo, o enfermeiro ficou enquadrado em um salário base de R$3.700, que chega a cerca de R$4.100 se incorporarmos os benefícios. Na gestão pública direta, esse profissional ganha R$4.300. Mas os encargos patronais são praticamente os mesmos. Além disso, no futuro o trabalhador da Fundação também terá um plano de carreira, considerando níveis de carreira júnior, sênior e master, com progressão e melhoria salarial. Não há qualquer tipo de precarização de vínculo. Foi, especificamente, o conselho de enfermagem que abordou esse tema de forma mais dura conosco, além do Sindipúblicos (Sindicato dos Servidores Públicos do ES). Quanto aos outros sindicatos, foi possível  pacificar o assunto.

Embora o site da Fundação iNOVA a descreva como tendo o “papel de aperfeiçoar a gestão hospitalar”, o Estatuto não limita sua atuação a um único nível de atenção. Hoje, a iNOVA atua apenas na atenção hospitalar? Há planos de expansão do seu campo de atuação?

Sim. A perspectiva é que ela possa ser contratada para dar  apoio operacional  à regulação do estado. Queremos que possa ser contratada para ter o time de médicos reguladores, supervisores, que apoiem a estrutura de regulação de leitos do Espírito Santo e, também, a central de transplante do estado. Além disso, estamos fazendo alguns estudos em relação à possibilidade de ela assumir alguma atividade ambulatorial em policlínicas do estado. 

Considerando o nível central, há possibilidade de a Fundação ser contratada para prestar, por exemplo, apoio à operacionalização no setor de compras, o que seria feito através de assessoria jurídica, pessoal para fazer cotações, construção de contratos e outros. A Fundação pode prestar, também,  serviços de apoio à gestão pública direta, e pretendemos fazer, aí, alguns desenhos de contrato. A contratação de recepcionistas, do controle de acesso à Sesa e das policlínicas também pode ser feita pela Fundação, configurando outros contratos de prestação de serviços nos quais essa estrutura pode ser utilizada. 

Houve mudanças tangíveis na gestão do Hospital Central?

A melhoria do acesso à regulação é incomparável. A central de leitos tem acesso a esse hospital, que é praticamente um hospital quaternário. Ele faz neurocirurgia, é um dos quatro hospitais públicos brasileiros que fazem trombectomia mecânica, e tem ainda o setor  vascular, ortopedia e outros. É um hospital de alta complexidade. Como falei anteriormente, ele alcançou, em 28 de julho, as metas de saída do ano todo. Além disso, se tornou o nosso campeão de transplante de órgãos. Estamos, praticamente, superando  a quantidade de doação de órgãos  do ano passado e até de 2019 com a melhoria no diagnóstico da morte encefálica e a política para conscientização das  famílias para doação de órgãos nesse hospital. Ele passou a ter o NIR funcionando 24 horas por dia e a forma de pactuação do hospital na gestão da Fundação é muito mais simplificada e com menos resistência do que era antes, durante a gestão da OS.  Então, do ponto de vista da relação, temos uma melhoria muito grande no modelo com a Fundação.

Quanto ao financiamento: houve mudanças na forma de repasse de recursos? Os recursos hoje são repassados conforme as metas fixadas nos  contratos de gestão entre a INOVA e os estabelecimentos? 

Funciona por um contrato de gestão: é feita uma orçamentação global, que tem metas quantitativas e qualitativas. E, de acordo com o alcance das metas, é pago o valor cheio do contrato. Isso será, ainda, ajustado com a implementação do DRG e outras metas de qualidade que serão instituídas nos hospitais e aplicadas, também, à Fundação, à rede própria e à filantropia. Quanto ao montante de recursos repassados ao Hospital Central, houve um reajuste muito pequeno, de R$ 800 mil, na atualização do contrato. O valor do último mês de contrato com a OS permaneceu com a Fundação. No entanto, com esse mesmo valor foi possível incrementar muito o número de cirurgias e conseguir dar importantes resultados quantitativos para o hospital.  

Fique de olho: o OPGH/Fiocruz publicará, em breve, a segunda parte da entrevista com Nésio Fernandes, abordando os demais aspectos do plano de modernização e seus primeiros resultados.