Data da publicação: 23 de agosto de 2021

Autora: Juliana Machado / OPGH

O ressarcimento ao SUS é um mecanismo aplicado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e disciplinado pelo art. 32 da Lei nº 9.656/98, que determina que os valores correspondentes aos atendimentos realizados a beneficiários de planos de saúde no sistema público devem ser devolvidos por suas respectivas operadoras ao Erário, desde que tais atendimentos estejam cobertos por aqueles planos. O processo de ressarcimento ao SUS vem sendo aplicado desde 2001 pela ANS, abarcando internações registradas por meio de AIH para todo esse período, como também atendimentos ambulatoriais de média ou alta complexidade registrados por meio de Autorizações de Procedimento de Alta Complexidade (APACs) desde 2012. 

Atualmente o lapso temporal entre o evento ocorrido no SUS e sua notificação no processo de ressarcimento ao SUS é de um ano, tempo necessário para o processamento dos dados e a autuação de operadoras. 

Conforme definição legal, os valores cobrados a título de ressarcimento ao SUS não são inferiores aos praticados pelo SUS e nem superiores aos praticados pelas operadoras, sendo definidos com base em regra de valoração aprovada e divulgada pela ANS, mediante crédito ao Fundo Nacional de Saúde – FNS. Para atendimentos ocorridos no SUS desde 2008 e notificados pela ANS a partir de maio de 2011 até os dias atuais, aplica-se 50% sobre os valores cobrados em Autorizações de Internação Hospitalar (AIHs) e APACs com base no índice de valoração do ressarcimento (IVR). 

Os casos identificados pela ANS são notificados trimestralmente e podem ser questionados administrativamente pelas operadoras de planos de saúde em até duas instâncias, sendo o valor passível de cobrança total, parcial ou anulação após análise por parte da ANS. Para os casos não impugnados administrativamente, vencido o prazo para tal, é emitida uma GRU (Guia de Recolhimento da União), a ser paga em 15 dias. Com o decorrer do processo administrativo, casos indeferidos em primeira instância e não recorridos, ou casos indeferidos em segunda instância também ensejam a emissão de GRU.

Com a presente análise, pretende-se apresentar o volume de utilização do SUS por beneficiários desde o início do processamento pela ANS em 2001, observando possíveis variações e a situação específica das internações para tratamento de Covid-19 a partir de 2020. 

Trata-se de uma abordagem descritiva dos casos de internações de beneficiários no SUS entre janeiro de 2001 e junho de 2020, identificados e notificados pela ANS. Casos gerais de internações no SUS foram observados desde janeiro de 2001 até março de 2021. A seleção desses períodos se deu pela disponibilidade e estabilidade dos dados de interesse. Dados do ressarcimento anteriores a esse período não possuíam rotina de identificação regular e tinham processos analisados por gestores locais do SUS, o que afetava a padronização dos casos. Por isso, optou-se pelo recorte desde 2001, quando houve centralização de todo o procedimento na ANS.

Como fontes de informação, foram consultados dados do ressarcimento ao SUS disponibilizados pela ANS por meio do Tabnet em sua página de internet, e por meio da página de dados abertos do governo federal, bem como dados de internações realizadas no SUS disponibilizados pelo Datasus em sua página e pelo Portal do Observatório de Política e Gestão Hospitalar (OPGH), em sua área de dados e indicadores.

Resultados

Historicamente, a proporção de uso do SUS para internações em pessoas cobertas por planos de saúde se mantém em patamar residual, tendo oscilado entre 0,9 e 2,9% desde 2001 até 2019, e representando cerca de 1,8% do total de atendimentos no SUS nos últimos 5 anos. Após o ápice de utilização do SUS para internações de beneficiários de planos alcançado no ano de 2013 (2,9%), houve queda gradual da proporção de uso até 1,6% em 2019, e 1,5% no primeiro trimestre de 2020, período imediatamente anterior ao início dos registros de internação por covid entre beneficiários (Figura 1). 
 

Figura 1

 

Em termos absolutos, entre 2001 e 2019 observou-se em média 11,7 milhões de internações anuais no SUS, das quais 212 mil ocorreram em pacientes que eram beneficiários de planos de saúde (Figura 2).

 

Figura 2

 

Considerando o atual cenário da pandemia de Covid-19, ao se observar a evolução mensal no número de internações no SUS, tem-se uma redução substancial de eventos no ano de 2020, quando comparado à média dos 5 anos anteriores (2015 a 2019). No primeiro trimestre de 2021, as internações no SUS ainda não alcançaram a média, mas parecem acompanhar a tendência de queda em fevereiro e retomada em março (Figura 3). 

 

Figura 3

 

Em relação às médias mensais de internações no SUS entre 2015 e 2019, observa-se uma variação mínima de -27,8% em abril de 2020, sendo negativas as variações de março a dezembro daquele ano. Entre os beneficiários de planos de saúde, as internações ocorridas no SUS mantiveram-se com variação negativa ao longo de todo o primeiro semestre de 2020, quando comparado aos mesmos meses do período de 5 anos anteriores, encontrando-se a maior diferença (-33,5%) também no mês de abril (Figura 4).

Como ainda não existem dados disponíveis sobre o ressarcimento ao SUS para períodos posteriores ao primeiro semestre de 2020, não se conhece ainda a variação de internações no SUS atribuídas a pacientes beneficiários de planos de saúde para comparação com a variação geral ocorrida no SUS até março de 2021.

 

Figura 4

 

Especificamente em relação às internações por covid, cuja série de registros no SUS se inicia no mês de fevereiro de 2020, observa-se que essas representaram 8,2% das internações no SUS até março de 2021, sendo seu valor 24,7% do valor total. No ano de 2020, destacou-se em julho a maior proporção de internações pela causa (10% dos eventos e 28,7% dos valores). Já em 2021, as internações por covid alcançaram 20,3% do total e 48,8% dos valores (Quadro 1).

 

Quadro 1

 

O primeiro caso de internação de beneficiário de plano de saúde no SUS para tratamento de covid foi registrado em abril de 2020. Entre abril e junho daquele ano, essas internações representaram 1,4% do total de internações para tratamento de covid realizadas no SUS, e 1,6% do valor total atribuído. Assim, a utilização do SUS por pessoas cobertas por planos para tratamento de covid não se destacou com proporção superior às médias historicamente observadas de uso do SUS. No segundo trimestre de 2020, as internações por covid custaram mais de R$ 784 milhões ao SUS, dos quais quase R$ 13 milhões para atender pacientes cobertos por planos de saúde (Quadro 2).

Em relação ao total de casos de internações no SUS do grupo de pacientes cobertos por planos de saúde entre abril e junho de 2020, os casos de tratamento de Covid representaram 6,2% das internações, e 15,2% do valor identificado no processo de ressarcimento ao SUS (Quadro 3).

 

Quadro 2

 

Quadro 3

 

Ressalta-se que em competências anteriores a abril de 2020, não foram localizadas internações para tratamento de Covid em beneficiários de planos privados de saúde. Além disso, vale lembrar que, considerando o lapso temporal entre o atendimento no SUS e sua identificação no processo de ressarcimento ao SUS, ainda não são conhecidos os dados mais recentes, de forma que comparações na utilização do SUS por beneficiários de planos de saúde, e eventuais variações durante o período pandêmico, ainda não são viáveis. 

Especificamente quanto a distribuição geográfica dos casos de covid, se observou variação discreta entre as UFs, destacando-se Mato Grosso do Sul, São Paulo, Santa Catarina, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Paraná e Pará com utilização superior à média do Brasil. Entre esses, apenas Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Pará apresentavam cobertura da população por plano com assistência hospitalar em junho de 2020 abaixo da média do país, sendo o último aquele mais distante dessa média. Enquanto isso, Distrito Federal e Espírito Santo tinham cobertura superior à observada no país e uso do SUS para tratamento de covid em beneficiários abaixo da média nacional (Quadro 4).

 

Quadro 4

 

Considerações Finais

O ressarcimento ao SUS constitui importante mecanismo para a regulação do uso da rede pública por pessoas cobertas por planos de saúde, e o monitoramento dos casos identificados constitui rico conjunto de informações para se observar a dinâmica de utilização dos serviços hospitalares no país, levando-se em conta a realidade de atuação de uma rede mista, pública e privada, diante da cobertura populacional por planos de saúde. 

Apesar do volume considerável de internações e da representatividade dos valores envolvidos, os casos de internações de beneficiários de planos no SUS representam atualmente menos de 2% do total de casos de internações no SUS, tendo havido variação nessa proporção ao longo dos anos. A queda do percentual de uso do SUS por beneficiários, do patamar de 2,9% em 2013 para 1,6% em 2019, associa-se possivelmente à regularização do procedimento de cobrança com calendários fixos (o que indica mais claramente às empresas operadoras de planos de saúde que o mecanismo encontra-se em funcionamento e portanto tende a direcionar melhor o uso das redes credenciadas), mas também à melhoria dos sistemas de informação e refinamento dos filtros de tratamento de dados aplicados no processamento dos casos, de forma que a notificação inicial vem se tornando mais assertiva.

Ressalta-se que o período disponível para dados do ressarcimento ao SUS com ocorrência específica de casos de tratamento de covid ainda é restrito, viabilizando apenas uma primeira aproximação sobre a realidade de uso do SUS com essa finalidade por pessoas cobertas por planos de saúde. Estudos comparativos com o perfil de utilização do SUS em geral, variações decorrentes da pandemia, fatores associados ao uso da rede pública e situações regionalizadas demandam aprofundamento das análises com base em um maior período de observação, o que só deve ser possível a partir do ano de 2022, quando finalmente os casos notificados pelo processo de ressarcimento ao SUS terão completado o ano de 2020 e estarão disponíveis nas bases de acesso público. 

Além disso, importa destacar que a disponibilização dos dados de utilização da própria rede privada para tratamento de covid, a partir da publicação de dados de internação do TISS pela ANS, deve contribuir para estudos mais abrangentes sobre o perfil de utilização de internações da população brasileira para tratamento de covid durante o período pandêmico. 

Nesse sentido, espera-se que, com a disponibilização de dados mais abrangentes, seja possível ampliar e aprofundar análises, estudando o efeito da oferta de leitos públicos e privados, da demanda por atendimentos, da cobertura da população por planos de saúde, entre outros, como fatores relevantes com influência sobre o uso da rede hospitalar brasileira para internações por Covid.
 

Veja mais sobre o assunto:

OPGH - Dados e indicadores

ANS - Espaço Ressarcimento ao SUS

Informações de Saúde (TABNET)

Boletim informativo: utilização do Sistema Único de Saúde por beneficiários de planos de saúde e ressarcimento ao SUS [recurso eletrônico] – n.1 (abr. 2016). - Rio de Janeiro: ANS, n. 11 (dez.), 2020 - 2,1MB; ePub. Semestral - ISSN 2526-9011