Sandro Luis Freire de Castro Silva*
Na última quinta-feira, 4 de setembro, a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) formalizou um acordo de cooperação técnica para a implantação do Instituto Tecnológico de Medicina Inteligente (ITMI), que será construído no Complexo do Hospital das Clínicas. A proposta prevê a criação do primeiro hospital inteligente do Brasil, integrando tecnologias como inteligência artificial, internet das coisas (IoT), big data, telessaúde e sistematização de processos Fonte: Jornal da USP.
Segundo os idealizadores, a iniciativa tem potencial para revolucionar a gestão hospitalar, reduzindo perdas de insumos, otimizando receitas e aprimorando a experiência do paciente. A internet das coisas, por exemplo, permitirá que sensores monitorem medicamentos em tempo real, prevenindo desperdícios. Outro impacto esperado é na gestão de recursos humanos, uma vez que profissionais precisarão de formação específica para operar sistemas baseados em inteligência artificial e outras tecnologias emergentes.
Contudo, o sucesso de um hospital inteligente depende da integração do prontuário eletrônico, ainda em fase de consolidação no Sistema Único de Saúde (SUS). Sem dados clínicos padronizados e de qualidade, torna-se inviável aplicar modelos de inteligência artificial e análises avançadas em larga escala.
Além disso, especialistas destacam que a transformação digital na saúde deve ter como foco central a melhoria do atendimento ao cidadão, garantindo segurança hospitalar, rapidez no cuidado e maior humanização. Nesse contexto, o celular tende a ser o elo entre paciente e sistema de saúde, já que grande parte da população acessa serviços digitais por meio desse dispositivo.
De acordo com a PNAD Contínua do IBGE, em 2024, o Brasil tinha 167,5 milhões de pessoas de 10 anos ou mais com celular para uso pessoal, o que representa 88,9% da população nessa faixa etária Fonte: IBGE.
No entanto, a Pesquisa de Conectividade Significativa da Anatel mostra uma desigualdade importante: entre pessoas com renda de até um salário mínimo, 51% utilizam celulares com valor de compra inferior a R$ 1.000. Além disso, a satisfação com as próprias habilidades digitais é menor entre os mais vulneráveis, como idosos e indivíduos de baixa renda Fonte: Anatel.
Esses dados evidenciam uma contradição: embora o celular seja quase onipresente, a qualidade da conexão, a capacidade dos aparelhos e o nível real de letramento digital ainda são barreiras para a plena utilização de soluções em saúde digital. Ou seja, a tecnologia pode avançar em grandes centros e hospitais de referência, mas parte significativa dos usuários do SUS — especialmente os mais pobres e idosos — corre o risco de ficar à margem.
A iniciativa da USP, do Governo de São Paulo, do Ministério da Saúde e do Novo Banco de Desenvolvimento (Banco dos BRICS) é, sem dúvida, um marco. Mas fica o alerta para que o hospital inteligente só terá impacto real se o Brasil enfrentar os desafios de conectividade e desigualdade digital, construindo soluções centradas no cidadão e não apenas nas unidades de saúde.
* Doutor em Informática, docente do Programa de Pós-Graduação em Gestão e Estratégia – UFRRJ.