Autora: Ceres Albuquerque/OPGH
16 de novembro de 2020
No início do ano de 2020, somos informados sobre o surto de uma doença que se propaga na China, desde dezembro de 2019. A OMS declara emergência internacional em saúde pública e, posteriormente, esta doença é denominada Covid-19. Em fins de fevereiro, o primeiro caso é relatado no Brasil e em março são anunciadas as primeiras medidas de contenção.
Atividades sociais e econômicas são reduzidas, suspensas ou canceladas – inclusive os atendimentos eletivos em serviços de saúde. As portas de entrada regulares aos serviços de saúde são fechadas, além de suspensas as consultas ambulatoriais e cirurgias eletivas. Atendendo às recomendações de distanciamento social e muitas vezes receando ser contagiada, a população reduz intensamente a busca por serviços de saúde, incluindo as emergências dos hospitais.
Ao nos debruçarmos sobre as internações no Sistema Único de Saúde (SUS) no ano de 2020, podemos verificar que há uma grande redução em comparação aos anos anteriores. Na última década, a quantidade de internações vinha se mantendo relativamente estável, com variações inferiores a 3% para mais ou para menos em relação ao ano anterior. No entanto, considerando os dados já disponíveis no SUS (até agosto de 2020) e projetando a estimativa anual), há uma queda de aproximadamente 25% no quantitativo de internações no país em relação a 2019. Comparando a evolução entre 2018 e 2019, houve um aumento pouco inferior a 3% no período:
A taxa de internações no SUS tem se mantido constante na última década, com algumas pequenas variações entre as regiões do país. A região Sul apresenta maiores valores e em elevação, e a região Norte taxas próximas à média nacional e em redução. A região Sudeste é a que apresenta a menor taxa em todo o período, o que pode ser parcialmente explicado pelo fato de sua população apresentar a maior taxa de cobertura por planos privados com assistência hospitalar – mais de 30% em toda a década (OPGH) – e, por isso, demandar um pouco menos internações ao SUS que as demais. Segundo a Pesquisa Nacional de Saúde - PNS 2019, o SUS é responsável por 65% das internações do país no ano (IBGE, 2019).
No gráfico e tabelas apresentados, pode-se observar a evolução desde 2011 (5,7%) e a importante queda na taxa de internações estimada para 2020 em todas as regiões do país – passando a do Brasil de 5,8 para 4,4 internações SUS por mil habitantes de 2019 para 2020.
Segundo dados da OCDE para 2017 ou 2018, temos para o Reino Unido taxa de internação de 13,12%; 10,97 em Portugal; 18,67 na França; 25,48 na Alemanha; 8,9 no Chile. Se considerarmos os dados da PNS 2019, onde 65% das internações foram realizadas pelo SUS, podemos considerar as 35% de internações restantes pela saúde suplementar – o que elevaria a taxa de internações no Brasil para uma estimativa de 8,92% em 2019.
As principais causas de internação na última década
Nos últimos dez anos, as cinco principais causas de internação no SUS têm sido as mesmas, com pequenas variações na ordem entre elas ocorrendo no período. A principal causa é gravidez, parto e puerpério – responsável por 20 a 21 % das internações informadas no âmbito do SUS, com aproximadamente o dobro das três principais causas seguintes.
Mais recentemente, em 2018 e 2019, aparecem na segunda posição as Lesões, envenenamentos e algumas outras consequências de causas externas, adquirindo um crescendo em importância relativa em comparação à quinta posição ocupada em 2011 e 2012, com pouco mais de 10%.
Na terceira posição em 2019, as doenças do aparelho digestivo ocupam pela primeira vez essa situação, tendo variado na década entre a quinta e a quarta posição. As doenças do aparelho respiratório, que incluem pneumonias e gripes, em quarto lugar em 2019, ocuparam a segunda posição de 2011 a 2017, quando passou à terceira e então para a quarta, com redução notável em sua quantidade, desde o início da década. Em quinto lugar em 2019 as Doenças do Aparelho Circulatório, que iniciou o período avaliado como terceira causa, passando posteriormente para a quarta e agora para a quinta. Essas três últimas causas com quase 10%, cada uma, em 2019.
Principais Causas de Internação no SUS por Capítulos CID - Brasil 2011 e 2019
Ao longo da década, as Doenças Infecciosas e Parasitárias (DIP) e as Neoplasias não ocuparam as cinco primeiras posições, sendo incluídas no gráfico acima apenas para ilustrar a discussão sobre a situação em 2020.
Analisando as informações já disponíveis das internações SUS de 2020 em busca de se avaliar o impacto da Covid-19, considerando apenas as causas de morbidade (não inclui o capitulo referente a gravidez e parto) vemos o Capítulo 1 da CID – doenças infecciosas e parasitárias (DIP) – adquirir grande dimensão, posicionado em segundo lugar dentre as principais causas de morbidade nas internações no ano. Ao longo da década, as DIP haviam perdido participação relativa, passando de quinta causa de 2011 a 2016 para sétima de 2017 a 2019. A principal causa de internação proporcional em 2020, como nos dois anos anteriores, são as Lesões, Envenenamento e Algumas outras consequências de causas externas, que ao longo da década vêm ganhando importância relativa e são proporcionalmente pouco impactadas pelos efeitos da pandemia. As doenças do aparelho circulatório ocupam a terceira posição e as doenças do aparelho digestivo a quarta. Doenças do aparelho respiratório, que ocupavam a terceira posição no ano anterior, em 2020 ocupam a quinta posição – considerando os dados até agosto.
Neoplasias é um capítulo que vem apresentando aumento da participação relativa constante em toda a década. Em movimento inverso, e em menor variação, há pequena redução das doenças do aparelho circulatório no período.
O gráfico da evolução da morbidade proporcional nas internações do SUS ao longo da década permite verificar a importante redução das internações por Doenças do Aparelho Respiratório e por DIP (exceto 2020).
De 2019 para 2020, há importante redução das doenças dos aparelhos respiratório e digestivo. As DIP apresentam, naturalmente, grande aumento, as causas externas pequena elevação e as doenças do aparelho circulatório e neoplasias redução muito pequena – quase estabilidade em relação ao ano anterior. A Covid-19, responsável por grande número das internações em 2020, elevou o capítulo DIP à segunda causa de morbidade no ano.
Entre as Doenças Infecciosas e Parasitárias, os principais grupos que causaram internação em 2019 foram, pela ordem, Outras doenças bacterianas (responsável por 48%), Doenças infecciosas intestinais, com 26%, Febres por arbovírus e Febres hemorrágicas com 7%, Outras doenças por vírus responderam por 2% e todas as outras DIP, 16%.
A Covid-19 modifica esse quadro, tornando o grupo diagnóstico de Outras doenças virais o principal. No grupo, 94% das informações são codificadas como B34.2 – Infecção por coronavírus de localização não especificada. Outras doenças bacterianas – desde 2015 o primeiro grupo – passa para a segunda posição, e doenças infecciosas intestinais (que inicia a década na primeira posição) passa a segunda em 2015 e, em 2020, passa para terceiro lugar.
Principais causas de internação no SUS por Doenças Infecciosas e Parasitárias (DIP), segundo grupos diagnósticos em 2019 e 2020 – Brasil
Importantes causas de internação deixaram de ser atendidas, cirurgias não foram realizadas, pessoas evitaram procurar serviços de saúde, ainda pouco se conhecendo o impacto causado em relação ao agravamento e eventual óbito decorrente dessa grande restrição de acesso, compreendido como “a capacidade do sistema de saúde para prover o cuidado e os serviços necessários no momento certo e no lugar adequado” (Proadess), e grande redução da utilização das internações hospitalares do SUS no período avaliado.
A redução das internações no SUS em 2020 em comparação com os anos anteriores: a grande modificação verificada nas principais causas de morbidade – aumento expressivo das internações por outras doenças virais, grupo que inclui as doenças pelo Sars-Cov2 – permite evidenciar a grande restrição de acesso e utilização do serviço ocorrida em 2020, até agosto, por quase todas as outras causas. A demanda reprimida, durante a Covid-19, tende a aumentar a pressão por mais atenção no presente e no futuro.