Leitos privados sob a gestão do SUS na pandemia de COVID-19: Fernando Pigatto, presidente do Conselho Nacional de Saúde, fala sobre a recomendação N.026 do dia 22 de abril

“A vida tem que estar em primeiro lugar”. Assim o presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS), Fernando Pigatto, define a prioridade do enfrentamento à pandemia de coronavírus no país. A recomendação mais recente da entidade – de nº 026, do dia 22 de abril – é de que os gestores do SUS (seja no âmbito federal, estadual ou municipal) façam a requisição de leitos privados quando necessário e de que haja uma regulação única para garantir o atendimento igualitário aos pacientes de COVID-19. Pigatto conversou com o Observatório de Política e Gestão Hospitalar (OPGH) sobre a recomendação, falou sobre a atuação do CNS neste contexto e também comentou as medidas que vem sendo tomadas para a contenção da pandemia no país. E, sobretudo, defendeu o SUS.

A importância dos governos locais no combate à COVID-19

Pigatto conta que a atuação do CNS tem sido bastante intensa nos últimos meses  –e que começou ainda em janeiro deste ano, em reunião com a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS). Ele também destaca reuniões com a presidente da Fiocruz, dra. Nísia Trindade, e com a Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde. “Foi uma espécie de campanha preventiva, para que as pessoas começassem a se dar conta do que estava para acontecer no nosso país”, alertou. A partir destes encontros, a entidade desenvolveu uma série de recomendações, notas e cartas abertas, além de orientações para sua rede e ações junto ao executivo e ao legislativo federais para que estes apoiassem os governos estaduais e municipais. “A gente viu que muitas iniciativas importantes estavam acontecendo em âmbito local”, explica. No entanto, para o conselho, a atuação do governo federal está aquém das iniciativas locais. “O governo federal teve, e ainda está tendo, uma atuação atrasada e insuficiente” – situação agravada pela deflagração das últimas crises políticas. “A mudança no Ministério da Saúde foi muito ruim, e agora esta notícia da mudança no Ministério da Justiça. É o que o Brasil não precisava neste momento para que a população seja protegida”, avalia.

A campanha Leitos para Todos

O Conselho Nacional de Saúde aderiu à Campanha Leitos para Todos – que defende a requisição de leitos privados ociosos pelo SUS e uma gestão única da fila de internação de pacientes graves de COVID-19, garantindo o atendimento adequado a todos que  precisem, sem distinção pela capacidade de pagamento. Desta forma, foi decidido que seria feita a recomendação, a ser encaminhada às secretarias municipais, estaduais e ao governo federal. “Nossa intenção é contribuir no enfrentamento à pandemia e salvar vidas”, reitera. Em termos legais, a recomendação é amparada por diversos mecanismos, que incluem desde a Constituição Federal até a lei que estabelece as medidas para enfrentamento da emergência em saúde pública, L13979. Pigatto ressalta ainda que, como recomendação, ela deve ser avaliada caso a caso pelos órgãos de saúde nas diversas esferas, e que o CNS vai acompanhar se ela está sendo seguida ou não por meio dos seus conselhos estaduais e municipais.

“Não podemos esquecer que o sistema de saúde, que é público, também regula o que é privado”

Quanto a uma possível hierarquização entre as medidas tanto de se aproveitar leitos que já existem e estão disponíveis, quanto de criar novos leitos – como, por exemplo, por meio dos hospitais de campanha – Pigatto afirma que todas são igualmente importantes. “Todas as iniciativas são fundamentais. A abertura de novos leitos é fundamental, mas não podemos esquecer que o sistema de saúde, que é público, também regula o que é privado”, esclarece. “Não existe algo à parte. O SUS é o todo e a própria saúde suplementar faz parte do sistema. É inadmissível que as pessoas venham a morrer esperando por um leito público que não existe, havendo leito privado ocioso”, pontua. Sobre a pertinência do momento para se iniciar a requisição dos leitos e para implantação da fila única, Pigatto reafirma que as ações do governo federal não são incisivas. “Tudo tem sido muito insuficiente, com muita demora. O novo ministro está ainda se adaptando e logicamente precisamos de um comando central. Mas ao mesmo tempo a nossa recomendação é também para estados e municípios justamente por nossa realidade diferenciada”.

Requisitar não é nacionalizar

Requisitar leitos na rede privada não significa nacionalizá-los e sim pagar pelo seu uso em uma situação de emergência. O financiamento para a saúde pública sempre foi uma preocupação do CNS e que agora isso assume caráter de urgência. “A gente tem lutado pela ampliação dos recursos para a saúde pública do país não é de hoje. Neste período ainda mais. Fizemos várias ações para liberação de recursos de forma rápida”, afirma. No entanto, ainda que estes recursos tenham começado a ser liberados, ainda são insuficientes, e o subfinanciamento anterior piora a situação atual. “Por exemplo, R$22,5 bilhões foram retirados do SUS nos últimos anos por conta da EC 95, e há os restos a pagar do próprio MS, em torno de R$ 20 bilhões, ou seja: são R$ 42,5 bilhões que deveriam ser investidos imediatamente na saúde do nosso país, neste momento de pandemia”, revela.

Quanto ao valor a ser pago por esses leitos, Pigatto explica que há diferenças entre as cidades, estados, tipos de leito e até mesmo pela condição dos hospitais, mas que tem se observado, na média, cobrança do dobro da tabela do SUS.

Pressão do poder econômico

Entre as dificuldades apontadas por Pigatto para a adoção da fila única e para a requisição de leitos privados pelo SUS, ele cita a resistência dos entes privados como um obstáculo a ser superado, além da pressão política por parte das forças econômicas. “Sou do Rio Grande do Sul e aqui a maior parte dos leitos está na iniciativa privada. E a gente tem observado os hospitais privados reclamando que a demanda caiu e incentivando o fim do isolamento social – e pressuponho que isso seja para que as pessoas adoeçam e procurem estes hospitais”, conta. E ressalta a importância da ação conjunta dos movimentos da sociedade civil organizada, dos conselhos de saúde, do legislativo, do judiciário e até mesmo dos governos junto aos entes privados para que a recomendação seja implementada.

Repercussão

Pigatto avalia que a recomendação do CNS repercutiu positivamente na mídia. assim como entre diversas secretarias de saúde e governos – que têm procurado o conselho para pedir mais informações e esclarecer dúvidas. Todavia, o objetivo da recomendação é infinitamente maior .“A principal repercussão que a gente quer é ajudar a salvar vidas”.  

Fim da EC95

Por fim, o Conselho Nacional de Saúde tem batalhado pela revogação da EC 95, que institui o teto de gastos, cujos efeitos são deletérios também no enfrentamento à pandemia do coronavírus. Pigatto considera, por seu efeito nefasto para o povo brasileiro, que a EC95 é a “emenda da morte”.

Clique aqui e confira o podcast do OPGH com Fernando Pigatto.