Simone Ferreira OPGH|EPSJV, Fiocruz
A portaria Nº 1.514, de 15 de junho de 2020 estabelece que a estrutura de campanha está voltada à internação de pacientes com sintomas respiratórios de baixa e média complexidade: leitos de internação clínica e leitos de suporte ventilatório pulmonar. Este último se distingue do leito de UTI, pois são leitos mais simples para pacientes que precisam de suporte de oxigênio, mas não estão em estado grave. Já os casos graves devem ser encaminhados para as UTIs hospitalares. Além disso, é importante observar o tipo de estrutura adotada. A orientação do CNES para cadastro dos hospitais de campanha distingue as novas estruturas daquelas que se caracterizam como ampliação de estabelecimento de saúde existente – como foi o caso da Fiocruz, que expandiu leitos de UTI-SRAG/COVID-19 associados ao Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas.
Apesar de amplamente difundida, a alternativa da expansão da oferta na modalidade hospitais de campanha também foi muito questionada. Na Nota Técnica Nº 24, de 12 de maio de 2020, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) se posicionou contrariamente à adoção prioritária dos hospitais de campanha, indicando antes a otimização dos recursos existentes. Entre eles, a ampliação dentro das estruturas próprias, novos hospitais e a contratação/requisição de leitos privados. A prioridade dada pelo CNJ foi racionalizar a capacidade instalada existente e o investimento em recursos de saúde que ficariam para a população após a pandemia. Na visão do médico sanitarista Gonçalo Vecina Neto, a relação custo/benefício dos hospitais de campanha não compensa. “Custa caro levantar, é inadequado para operar, sobra depois e não tem o que fazer com aquilo”, disse Vecina em entrevista no mês de maio.
A demanda por leitos de cuidados intensivos e o longo tempo de internação marcaram rapidamente a necessidade de uma resposta estrutural à pandemia. Estudo apresentado pela Fiocruz afirma que mais de 90% dos municípios no país não possuía, em fevereiro, capacidade mínima para atendimento aos casos graves de COVID-19.
Também foi possível observar um incremento importante na rede de serviços de saúde, entre prestadores públicos e privados. Comparando os dados entre os meses de janeiro e junho deste ano, observamos um aumento de 47% na oferta de leitos de UTI. A rede própria do SUS sofreu um aumento de 89% – ou seja, o SUS quase que dobrou sua capacidade de atendimento em cuidados intensivos. Já os leitos de internação não tiveram um aumento tão expressivo, com aumento de 5,4% na mesma comparação (Tabela 1). Diferente da percepção inicial, os hospitais de campanha não foram os grandes responsáveis pela expansão da oferta de leitos de UTI.
Tabela 1 - Leitos de internação e leitos de UTI, segundo natureza jurídica - Brasil, Janeiro e junho 2020. |
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Natureza Jurídica |
Leitos de UTI |
Leitos de internação |
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Jan/20 |
Jun/20 |
Aumento % |
Jan/20 |
Jun/20 |
Aumento % |
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Total |
45.427 |
66.786 |
47,0 |
426.106 |
448.923 |
5,4 |
Entidade privada com fins lucrativos |
15.405 |
17.882 |
16,1 |
95.035 |
96.286 |
1,3 |
Entidade privada sem fins lucrativos |
15.868 |
22.027 |
38,8 |
162.342 |
163.873 |
0,9 |
Órgão público/Sociedade de economia mista/Empresa pública |
14.154 |
26.877 |
89,9 |
168.729 |
188.764 |
11,9 |
Fonte: Tabnet/OPGH |
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A participação dos hospitais de campanha não chega a 10% (Tabela 2). Se consideramos o déficit histórico que a rede hospitalar acumula no Brasil, a ampliação da capacidade instalada em estruturas permanentes acena para uma possibilidade concreta de manutenção da estrutura criada para atendimento aos casos de COVID-19.
Tabela 2- Leitos de internação e Leitos de UTI, segundo tipo de hospital geral - Brasil - Janeiro e Junho 2020 |
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Leitos de Internação |
Crescimento |
% |
Leitos de UTI |
Crescimento |
% |
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Jan/20 |
Jun/20 |
|
|
Jan/20 |
Jun/20 |
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Total |
426.106 |
448.923 |
22.817 |
100% |
45.427 |
66.786 |
21.359 |
100% |
Hospitais de Campanhas |
0 |
11.175 |
11.175 |
49% |
0 |
1.788 |
1.788 |
8% |
Outras Unidades Hospitalares |
426.106 |
437.107 |
11.642 |
51% |
45.427 |
64.896 |
19.571 |
92% |
Fonte:Tabnet/OPGH |
Nos últimos meses os estados de São Paulo e Rio de Janeiro foram os que mais abriram leitos em hospitais de campanha. São Paulo abriu 4.187 leitos de internação e 440 de UTI. O estado do Rio de Janeiro abriu 1.262 leitos de internação e 600 de UTI. Não há dúvidas que a oferta de leitos de UTI é determinante para o desfecho dos casos graves de infecção pelo novo coronavírus. O estado do Rio de Janeiro dispunha, em dezembro de 2019, de 35 leitos de UTI para cada 100 mil habitantes, incluindo a oferta pública e privada. Apenas o Distrito Federal apresentava um valor maior, com 42 leitos para 100 mil habitantes. O estado do Rio em junho de 2020 tinha 3.005 leitos de UTI a mais que em janeiro do mesmo ano, sendo que a estrutura de campanha comportou 20% deste aumento. A média nacional para a ampliação de UTIs em hospitais de campanha, todavia, foi de aproximadamente 7%. Os estados do Acre, Espírito Santo, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Santa Catarina e Tocantins não abriram hospitais de campanha. Os estados do Amapá, Paraíba, Piauí e Sergipe não utilizaram a estrutura de campanha para a abertura de leitos de UTI.
O Rio de Janeiro não inaugurou os hospitais de campanha de Duque de Caxias, Nova Iguaçu e Nova Friburgo, e as unidades de Campos dos Goytacazes e Casemiro de Abreu foram abandonadas na fase de obras. No dia 17 de julho, o MPRJ e a defensoria pública do Estado precisaram intervir pela manutenção das atividades do hospital de campanha do Maracanã e de São Gonçalo. Os hospitais de campanha, contudo, eram apenas uma das estratégias de ampliação de leitos elencadas no plano de contingência da SES/RJ, que previa ainda a utilização de leitos em unidades hospitalares e a suspensão de cirurgias eletivas, abertura de leitos em hospitais com capacidade ociosa e a instalação de hospital de campanha da SES, do Exército e da Aeronáutica. Não figurava entre as opções a contratação de leitos existentes na rede privada, embora, em dezembro de 2019, 67% do total dos leitos de UTI existentes no estado estivessem na esfera privada e a população coberta por planos de saúde correspondesse a 28% da população.